A Crise Venezuelana: dos anos 50 aos dias atuais
- Pugna!
- 20 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de mar. de 2020
A Venezuela, país que décadas atrás era chamada de “A Milionária da América” e “Venezuela Saudita” (como referência à Arábia Saudita), hoje encontra-se numa grave crise política, econômica e humanitária. Aproximadamente 2,7 milhões de venezuelanos já fugiram do país em busca de refúgio desde o início da crise em 2015 (1). Transformou-se de uma potência econômica, um dos mais ricos países da América Latina, em um lugar dominado pela fome, pobreza e repressão. Isso não surge da noite para o dia e vem de um histórico de escolhas políticas feitas desde o começo do seu crescimento econômico em meados de 1950.
A jornada da Venezuela ao crescimento e à estabilidade econômica começam ainda no regime militar com o presidente Marcos Pérez Jiménez, que governou de 1952 a 1958. Seu mandato foi marcado pela opressão aos seus adversários políticos com prisões e torturas. Porém, economicamente bem sucedida, foi nessa época que importantes obras foram feitas com investimento na infraestrutura do país: rodovias, hotéis e até o que na época foram os maiores prédios da América Latina, as Torres do Silêncio (2).
Com a chegada da democracia no país em 58, mantiveram-se boas as relações econômicas e políticas, e a tensão entre civis e militares deu lugar a um clima de paz. Com o bolívar (moeda local) estável, viagens internacionais tornam-se mais frequentes, tendo Miami como o favorito entre os destinos turísticos. Nos anos 60, era o país com o maior poder de compra em toda América Latina, apesar de marcado pela desigualdade social (2). Também era vista como um símbolo da democracia, apesar de dois partidos se alterarem constantemente no poder, sistema parecido com o do “Café-com-Leite” no Brasil. Os tempos dourados da economia na Venezuela, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, o equivalente a 17,9% de toda a reserva mundial (3). Grande aliada americana, para quem vendia parte significante do petróleo produzido, o que causou certo isolamento internacional. Entretanto, seu ponto forte na economia também era sua fraqueza. O país tinha completa dependência desse mercado. Importando a maioria de seus bens, o governo não pôs grandes esforços em investir nas indústrias nacionais. Por isso, quando o preço do barril estava alto, era um bom ano. Quando estava baixo, todo o país sofria.
Em 1980, dada a abundância do petróleo no mercado mundial, a economia começa a desandar na Venezuela. O preço do petróleo cai. O desemprego aumenta. A inflação aumenta. O PIB diminui. A pobreza dispara tiros esfomeados que atingem a população mais vulnerável. A estabilidade econômica e política já não são mais uma realidade. O povo, insatisfeito, muda o rumo da política em 1998, elegendo o populista Hugo Chávez.
Chávez ganhou protagonismo na política com a tentativa de golpe militar contra o presidente Carlos Pérez em 1992, organizada pelo grupo Movimento Bolivariano Revolucionário 200, do qual fazia parte. Após o fracasso, foi jogado na cadeia. Porém, em 1994 foi anistiado pelo novo presidente, Rafael Caldeira. Decidiu então tentar a carreira política. Seus projetos econômicos visavam a maior exploração do petróleo como fonte de uma alta renda que traria de volta à Venezuela segurança no mercado.
Eleito, estabelece como limite 49% de domínio para qualquer empresa privada extraindo petróleo venezuelano. Os outros 51% devem, necessariamente, ser estatais (4). Com o dinheiro oriundo do petróleo, investe nas camadas mais pobres da sociedade, tirando milhões de pessoas da pobreza através de programas de distribuição de renda. Enquanto em 2003 a porcentagem de pessoas na pobreza era 62%, em 2011 essa representação despenca para 32% (5). Durante seu governo, o desemprego caiu de 14,5% para 8%, enquanto o PIB per capita (por pessoa) cresceu de US$ 8,2 mil para US$ 13,2 mil (6). Além disso, também houve aumento no número de jovens em ensino secundário e a diminuição da mortalidade infantil.
Entretanto, o progresso veio com um custo alto para o povo venezuelano ao passo que Chávez flerta com um regime ditatorial sem sair da pose de democrático, aos poucos degradando a democracia do país. Se olharmos bem, desde antes do início de seu mandato já havia dado sinais autoritários com a tentativa de golpe de 1992. Mesmo tendo sido eleito para seus quatro mandatos, usou de seu poder para censurar a imprensa tornando estatais empresas privadas de comunicação com o discurso de que o fez para democratizá-las. Além disso, a corrupção tornou-se prática comum, apesar de ter sido tema frequente de combate na sua campanha para o primeiro mandato e um dos argumentos para a tentativa de golpe no passado. Falhou também em controlar a inflação que cresceu, assim como a violência que saltou de 25 por 100 mil habitantes em 1999 para 45 por 100 mil habitantes em 2010 (7).
Contudo, o erro que fadou o governo a sua maior crise foi um legado que volta aos anos 30 com o começo da extração de petróleo: a completa dependência do Estado à exportação desse recurso. A falha de Chávez ao não investir em outras indústrias nacionais, tendo aproximadamente 95% das suas exportações vindo de petrolíferas (8), afunda a economia venezuelana com a crise internacional do petróleo em 2014. A crise leva o preço do barril a despencar de $115 para $48 (9), diminuindo o lucro de forma significativa. Para agravar ainda mais a situação, diminui-se o investimento e a produção do recurso, que cai de 3 milhões de barris por dia, em 1999, para apenas 1,5 milhão em 2018 (9).
Mesmo que a falta de visão chavista seja grande responsável pela situação do país economicamente, não é em Hugo Chávez que essa bomba estoura. O ex-presidente morre de câncer em 2013, deixando para trás relações de amor e ódio com o seu povo. Assume então Nicolás Maduro como presidente interino, tornando-se presidente no mesmo ano depois de uma eleição apertada contra Henrique Caprilles. É com Maduro que o autoritarismo fica ainda mais descarado. Tendo a oposição como maioria na Câmara, convoca uma Constituinte para o país, tentando aprovar uma nova constituição que lhe daria mais liberdade para realizar seus desejos. Mergulhada em uma forte recessão, a Venezuela de Maduro não aceita críticas. Pessoas tidas como inimigas do governo são torturadas e desaparecimentos tornam-se frequentes. Se a crise econômica e humanitária já estava levando o país à beira da tragédia, com a falta de alimentos e itens básicos nas prateleiras dos supermercados, o governo de Maduro dá o empurrão final, indo além da economia e entrando no campo político. A voz atendida é a voz do Estado, ou seja, a voz do presidente. Em 2018, concorre à reeleição e ganha, mas nem a oposição e nem outros países não compram sua vitória e o acusa de fraudes eleitorais. Perde-se a legitimidade do seu governo, porém Maduro não dá passos para traz e, com o apoio do exército, segue no poder.
Até que em janeiro de 2018, ganha maior destaque no cenário político nacional um homem chamado Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, que se autoproclama presidente interino da Venezuela com o propósito de convocar novas eleições. A atitude é apoiada por vários países, como o Brasil e os Estados Unidos. Este, inclusive, contribuindo com uma real chance de intervenção militar. Entretanto, o poder de fato continua nas mãos de Nicolás Maduro, que tem o exército atrás de si. A pergunta que nos resta é: quanto tempo o atual presidente será capaz de segurar tão desgastada?
- Por Celi Mitidieri
Fontes:
2.
3.
4.
7.
9.
Leituras recomendadas:
Comments