top of page
  • Black Facebook Icon
  • Black Instagram Icon

Ativismo Político no Brasil: entre a necessidade de mobilização e o desconhecimento de limites

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 18 de set. de 2020
  • 6 min de leitura

Há muito a se protestar no nosso país. Te dou temas de sobra para escolher: racismo, machismo, desigualdade social, insegurança alimentar, aquecimento global, desrespeito aos povos indígenas, baixa qualidade em infraestrutura etc. É compreensível a revolta, a mobilização. Mais que isso, é necessária. Porém, como tudo na vida, há um limite. Afinal, é preciso a saudável tolerância de opiniões que mantém democracias vivas. É novidade que a nossa está em perigo? Num estalo, passamos do ‘política não se discute’ para o ‘tudo é político’. Chegamos numa era de alta polarização e o que é lembrado do almoço em família não é mais o tio do pavê com as mesmas piadas ruins, mas as discussões carregadas de uma impossibilidade de debate construtivo. Talvez porque as pessoas não querem se desconstruir, mas construir opiniões alheias baseadas em suas ditas certezas cujas comprovações são inexistentes. É preciso saber ouvir, mesmo que seja um bolsonarista ou um petista. E é nessa incapacidade de escuta e empatia que se atropelam os limites de um benigno ativismo político, aquele que leva a mudanças ao invés de ressentimentos. Porém, que não diminuamos seu imenso potencial, pois todo o poder emana do povo e é somente quando ele se ergue para exigir garantidos os seus direitos que a mudança acontece. Ativismo é meio para equidade, mas pode também ser para ruína.


Tratando do contexto atual, é imprescindível analisarmos o que nos leva às ruas e como essas pessoas são tratadas. Nos últimos meses de pandemia, houve vários protestos. Em um lado, grande influência do movimento americano Black Lives Matter e da morte de jovens negros no Brasil como Miguel e João Pedro. Esses trágicos eventos surgem como catalisadores para grandes pronunciamentos nas redes e multidões fora delas. A população negra e aliados brancos demonstram com placas, gritos antes presos e então em liberdade, e caminhadas democráticas que, mesmo após séculos, a justiça para 54% do povo ainda é adiada, negada. Do outro lado, um extremo. Pessoas recorrem às ruas pedindo ignorantemente o que há 30 anos atrás nos mesmos locais lutavam contra: uma ditadura. O fechamento do Congresso e do STF, a volta dos militares. Um amontanhado de ausências. Ausência de estudo, de comprometimento com a verdade, de empatia pelo povo. Por fim, a clara ausência de estabilidade na nossa democracia, que tenta ser derrubada pela própria população a partir do direito democrático de protestar. As ironias que se fazem presentes quando todos falam o que querem. E voltando aos limites, eles se fazem presentes até mesmo na tolerância, pois o intolerante não deve ser tolerado. Da mesma forma, tais manifestações são uma ameaça à democracia pela qual derramamos sangue por tanto tempo para alcançar. Tão complexo, um limite tênue entre a liberdade de falar e a liberdade de odiar. Mas voltando aos protestos, não podemos esquecer a cereja do bolo: as manifestações contra a pandemia. Quando um vírus chega e mata centenas de milhares de pessoas no mundo, sem vacina ou cura, a expectativa é de que pessoas desejem se manter em casa, protegidas de uma doença que se espalha pelo ar. Não no Brasil. O que era científico torna-se político. Até mesmo questões de saúde pública são polarizadas. Assim, no meio da pandemia, pessoas nas ruas sem máscara alguma, aglomeradas em protestos pelo fim da quarentena. Mais absurdo que isso somente os protestos em carros patrocinados pela elite que, ao pedir a volta ao comércio alegando que fechar tudo por uma “gripezinha” é exagero, não tiveram a coragem de saírem eles mesmos às ruas. Ah, o Brasil!


Centenas de pessoas estavam numa passeata no dia 31 de junho em Helena e Turilânia, Maranhão, e circularam em protesto pelas duas cidades — Foto: Divulgação




Dada a era de tecnologia na qual nos encontramos, não podemos deixar de lado o forte impacto que têm as redes sociais. A política nunca mais será a mesma após a internet. Toda a forma de fazer política muda. E isso fica evidente principalmente na nossa última campanha eleitoral para presidência, cuja participação virtual foi enorme como nunca visto antes. Para se ter uma ideia de como nossa relação com as redes mudou, em 2013 o número de brasileiros que usavam o WhatsApp era 20 milhões. Em 2019, apenas seis anos depois, o número sobe para 120 milhões (1 e 2). O aplicativo então funciona como meio disseminador de informações, permitindo inúmeras novas possibilidades ao ativismo político. Voltemos para apenas duas décadas atrás e percebamos a discrepância. Comícios, panfleto, viagens entre interiores, santinhos, carreatas. Embora ainda presentes em muitas campanhas, os seus impactos tornam-se tão influentes ou menos que tweets ou posts no Instagram. Os políticos têm agora mais uma coisa com a qual se preocupar: as redes sociais. Então, principalmente nessas eleições que se aproximam em meio a pandemia, as lives substituem ao menos em parte os comícios modernos e posts tornam-se os antigos santinhos. Quem não está online, não é visto. E a vida virtual confunde-se com a real, sem lembrarmos que ali só está presente os que políticos querem que esteja. Há uma preocupação necessária por muitos especialistas que só vejamos o que queremos ver nas nossas redes, mesmo que sejam inverdades. Isso funciona porque a função do algoritmo é sempre nos manter engajados, e assim sempre tendemos a ver aquilo que nos interessa mais. Pode parecer bom a princípio, mas perdemos o contato com perspectivas contrárias às nossas e deixamos de ter acesso a todos os lados da história para formar uma opinião forte e embasada.


Entretanto, também muito se ganha em aproximação com as novas redes. Ao mesmo tempo, também há o distanciamento gerado pela troca de rostos por telas de vidro. Organizar reuniões para debates, protestos nacionais, disseminação de greves, compartilhamento de injustiças, distribuição de informações, tantas possibilidades de fortalecimento democrático a partir de um maior contato nacional, e até global. A internet permite debates acerca de tudo, funcionando como uma Ágora da democracia moderna. Mas se fosse perfeito, não seria real. Nas redes, encontra-se uma infinidade de recursos e personalidades, inclusive pessoas que pensam parecido. Isso inclui grupos extremistas compostos de pessoas que por pressão popular não conseguem encontrar tanto espaço para se pronunciarem abertamente. Há então a ruptura do isolamento encontrado na vida real e o sentimento de aceitação desses preconceitos antes escondidos.


No contexto político de polarização entre esquerda e direita ocasionado pela acirrada eleição há dois anos, isso se reflete bastante nas redes de forma agressiva. De uma hora para outra, tornou-se moda posicionar-se politicamente mesmo sem estudo algum sobre o que se estava falando. No WhatsApp, Facebook, Twitter e Instagram, víamos pessoas defenderem políticos ao invés de propostas, acreditando em mitos e ignorando dados. A presença dessas redes permitiu uma mais eficiente manipulação em cadeia, em especial pelo envio de mensagens pelo WhatsApp. A própria equipe da rede admite o envio em massa de mensagens com teor político e de forma automatizada através de empresas privadas (3). Uma parcela significativa da população usa essa plataforma como fonte principal de informação e, por isso, o contexto eleitoral foi ótimo para que se explorasse tal recurso. É difícil estimar o impacto exato que isso causou nas eleições brasileiras, mas pode-se com certeza dizer que houve algum.


É possível ver que o ativismo tem mudado bastante em sua forma através de evoluções em tecnologia e dadas as mudanças em contextos históricos, mas a sua finalidade de criar mudanças sociais continua presente e deve permanecer. Abordagens mudam, e acredito num futuro em que uma cultura política será realidade no Brasil. Já é possível enxergar esse caminho quando cada dia mais os próprios cidadãos se engajam nessa busca por mudanças, seja nas ruas ou nas redes. Contas como o Poder Cidadão, ONGs como o Politize, movimentos como o Democratizou, todas iniciativas populares na busca por uma maior educação política.


Ser ativista é acreditar num futuro melhor e estar disposto a lutar por ele. É infeliz a ideia do ativista como sinônimo de radical, completamente infundada. Nós não fazemos “mimimi”, mas falamos de nossas lutas e dores. Se você não está disposto a nos ouvir, não nos acompanhe, mas também não nos diminua, pois nosso papel é importante em qualquer democracia. Cobramos, vamos às ruas, vamos às redes, exigimos mais porque sabemos que, como povo, merecemos mais. Desejo a nós força para lutarmos pelas nossas crenças, mas também para que reconheçamos que nem sempre estaremos certos. Humildade para reconhecermos nossos limites e sermos respeitosos sem deixarmos de ser firmes. Coragem para seguirmos firmes quando o mundo parece não fazer sentido. Que o ativismo siga próspero e construtivo ao invés de ignorante e destrutivo porque somos necessários. Nosso país tem muito a melhorar.

- Por Celi Mitidieri

Fonte:

Comments


bottom of page