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A luta mais difícil é a contra si: a história de Vincent van Gogh

Eu sempre me interessei mais pela literatura do que por qualquer outro tipo de arte. Na verdade, eu também era grande fã dos filmes de Tarantino e Greta Gerwig, das letras de Bob Dylan e Elton John e das pinturas de Monet e Van Gogh, o tópico do artigo de hoje, porém nada superava meu amor pelo mundo literário. Ao amadurecer e refletir mais, eu percebi que não eram apenas as palavras que me inspiravam, mas sim a genuinidade dos autores e dos poetas: eu queria ler acerca daqueles que não tinham medo de ser vulneráveis e que transformavam sua dor em algo lindo. É justamente essa vulnerabilidade que me atrai a Van Gogh, um idealista quase sem esperanças e que lutava constantemente contra seus transtornos mentais e as críticas das pessoas ao seu redor. Em pleno setembro amarelo, entre semanas de prova e simulados, eu decidi que queria mergulhar no mundo de Vincent, nas partes boas e também nas ruins, e acho que fiz umas boas reflexões sobre tanto o artista quanto seu estado mental. Vem comigo? Vincent van Gogh nasceu no dia 30 de março de 1853, no município, antes vila, de Zundert, na Holanda. Sua família era consideravelmente rica e de classe alta, pois seu pai, Theodorus van Gogh, era um pastor protestante. O nome de Vincent foi escolhido em homenagem ao pai de Theodurus e ao primeiro filho do casal, que morreu antes de nascer. Ele logo se tornou o mais velho entre seis irmãos, cujos nomes eram: Anna, Theo, Wil, Lies e Cor. A família, mesmo vivendo em uma região predominantemente católica, não tinha vergonha de sua religião e passeava constantemente nos arredores da cidade, o que inspirou as crianças, principalmente Vincent, a desenvolverem um amor pela natureza.


Terra natal de Vincent A infância do nosso querido artista pode ter sido feliz, mas relatos mostram que sua adolescência (como a da maioria dos jovens, sendo realista) foi complicada e infeliz. Ele foi transferido a um colégio interno aos onze anos, onde continuou sendo um bom aluno e começou a desenhar, entretanto não demonstrava muita paixão pelo mundo artístico ou talento até então. Dois anos depois, ele foi completar seus estudos em Tilburg e foi um dos primeiros de sua classe. No entanto, ele deixou a escola aos 14-15 anos e nunca mais voltou a estudar. As razões desse ocorrido são desconhecidas até hoje, mas alguns estudiosos deduzem que foi porque a saúde mental de Vincent começou a entrar em declínio e seus pais ficaram preocupados. Nesse momento, em casa e sem aparentemente ter muitas obrigações, a paixão de Vincent pela pintura começou. Seu tio o arranjou um estágio na companhia de negociadores de arte Goupil & Cie. Lá, ele prosperou e foi transferido para a filial de Londres em 1973, o mesmo ano em que Theo começou a trabalhar na firma. Em setembro do ano anterior, as famosas correspondências entre os irmãos começaram.


Carta mais velha trocada entre Vincent e Theo Em seu tempo na Inglaterra, Vincent, além de trabalhar, lia muitas revistas artísticas, coleções de poesia e obras literárias clássicas, enquanto também visitava museus. Ele foi transferido a Paris dois anos depois, o que foi o estopim de um período em que ele se tornou extremamente religioso, provavelmente procurando um refúgio para sua solidão. As cartas que ele escrevia para Theo na época continham várias citações bíblicas. Vincent tinha grande interesse pela arte, mas não sentia que o emprego de negociador fazia jus à sua paixão. Por isso, enquanto ainda estava em Paris, ele saiu da companhia em busca de um novo ramo onde pudesse ser bem-remunerado e simultaneamente satisfeito. A busca persistiu até seus 27 anos. Ele foi professor durante um ano na Inglaterra, vendedor de livros em seguida e tentou estudar teologia, mas falhou porque não tinha a disciplina adequada para estudar. O mais surpreendente é que, em todo esse tempo, ele continuou a desenhar e evoluiu bastante, incluindo sempre algum de seus desenhos em cartas para Theo. Porém, mesmo com seu claro talento, ele não conseguia perceber que a arte era seu destino.



Dois primeiros desenhos enviados para Theo por Vincent Ele trabalhou como mineiro e pregador em comunidades carentes por um tempo até finalmente ter o conselho que mudaria toda a sua trajetória. A seguir está um trecho traduzido de uma das cartas que ele enviou a Theo nessa época: 'É um lugar sombrio e, à primeira vista, tudo ao seu redor tem algo de sombrio e mortal. Os operários costumam ser pessoas emaciadas e pálidas por causa da febre, que parecem exaustos e abatidos, castigados pelo tempo e prematuramente velhos, as mulheres geralmente pálidas e murchas'. Depois de Vincent ser demitido pela mineradora, Theo tomou coragem e o aconselhou a se dedicar inteiramente ao desenho. Com isso, o artista começou sua jornada, inicialmente com enfoque no registro de cenas bíblicas. Ademais, Theo passou a sustentá-lo e ele voltou a morar com os pais.


Desenho feito nas minas Vincent e seus pais tiveram uma relação nada agradável a partir daí. Ao passo que Theodorus e sua esposa estavam extremamente desapontados devido à carreira seguida pelo seu filho mais velho, este se sentia sufocado pela rotina deles. Em uma carta a Theo, Vincent afirmou: 'Papai não se decide entre ter apenas empatia ou simpatizar comigo, e eu não posso me acomodar com a rotina de papai e mamãe, é muito restritiva para mim - iria me sufocar'. Ele deixou a casa no Natal do mesmo ano e se mudou para Haia, onde teve aulas de técnica com o artista Anton Mauve, um primo de segundo grau. Vincent se dedicava completamente às aulas e visitava o estúdio de Mauve todos os dias para aperfeiçoar seus desenhos. Uma das primeiras comissões feitas por Vincent foi encomendada por um dos seus tios e consistia em várias paisagens de Haia.


Parte da primeira comissão Mesmo com todo esse trabalho, ele se apaixonou por Sien Hoornik, uma ex-prostituta, que se tornou tanto sua modelo como amante. Ele se convenceu de que poderia ajudar ela e seus filhos se alugasse um estúdio onde eles pudessem viver tranquilamente, sem as críticas da sociedade e dos amigos de Vincent. No entanto, a paixão logo acabou e ele decidiu seguir em frente, relatando a Theo: 'Eu sabia desde o início que o caráter dela, e ela por inteiro, estavam arruinados, mas eu tinha esperanças de que ela se recuperasse e agora, precisamente quando eu não a vejo mais e penso nas coisas que vi nela, cada vez mais chego a perceber que ela já estava longe demais para se reconstruir'.


Esboço com Sien como modelo Depois desse caso amoroso, Vincent voltou à sua solidão profunda, com apenas Theo como apoio. Ele passou um tempo em Drenthe para pintar a natureza morta e a vida nos pântanos. Mesmo estando satisfeito com o seu progresso e feliz com a paz que a natureza o trazia, a solidão só aumentava, e os transtornos mentais lentamente vieram a surgir com força. Ele não resistiu e voltou a morar com os pais, escrevendo para Theo: 'Drenthe é excelente, mas ficar lá depende de muitas coisas - depende se alguém tem dinheiro para isso, depende se se consegue suportar a solidão'.


Vincent van Gogh, Two women in the moor , 1883 A vida começou a sorrir para ele nesse período, o que ele próprio achou incomum. Ele alugou um estúdio na vila e começou a retratar a vida de fazendeiros e camponeses, uma provável tentativa de fazer o que grandes artistas da época faziam. Ele ainda recebia dinheiro de Theo, então resolveu propor um acordo: só haveria o pagamento se Vincent enviasse, junto com as cartas, o trabalho que havia feito. Theo tentava vender as obras do irmão em Paris, mas o público apreciava apenas pinturas "coloridas e felizes", o exato oposto do estilo de Vincent. Mesmo assim, ele apoiava o irmão incondicionalmente.


Vincent van Gogh, The Vicarage at Nuenen , 1885 Depois da morte de seu pai, Vincent passou a morar no estúdio, deixando o desgosto que a mãe tinha por ele para trás. Ele começou a trabalhar em uma obra extremamente aclamada, mas pouco reconhecida pelo público, chamada "The Potato Eaters". A pintura retratava uma cena bastante comum na época, uma família camponesa comendo um jantar pouco nutritivo, que consistia apenas em batatas. Naquele mesmo ano, ele decidiu se matricular em uma academia de arte em Antwerp, deixando a Holanda para sempre.


Vincent van Gogh, The Potato Eaters, 1885 Na academia, ele tinha tudo que um artista não tão bem sucedido queria: muito material, museus, modelos, entre outros. No entanto, Vincent sentia que o que era ensinado era tradicional demais, e ele não gostava de ficar dentro de uma caixinha de classicismos. Esse sentimento é expresso por ele em uma de suas cartas para Theo: 'Na verdade, acho todos os desenhos que vejo lá desesperadamente ruins - e fundamentalmente errados. E eu sei que os meus são totalmente diferentes - o tempo terá apenas que dizer quem está certo. Droga, nenhum deles tem qualquer noção do que é uma estátua clássica'. Portanto, Vincent decidiu se mudar para Paris e viver com Theo. Este, por um lado, estava claramente preocupado com o sustento do irmão e sua saúde mental em declínio, algo que ficava evidente em suas correspondências. Por outro, ele sentia que a mudança era uma inconveniência, pois teria que procurar um novo apartamento e reestruturar sua rotina. Antes de Theo achar o apartamento, Vincent chegou em Paris sem avisar a ele no fim de fevereiro de 1886. O artista tentou se desculpar com o irmão com uma carta, mas sabia que sua chegada era realmente inconveniente: 'Meu caro Theo, não fique zangado comigo por eu ter vindo de repente. Eu pensei muito sobre isso e acho que vamos economizar tempo dessa forma'. Acho que o tempo não foi exatamente economizado, mas foi valioso. Theo, que era influente no mundo artístico por ser negociador, apresentou Vincent a vários artistas proeminentes, como Claude Monet, Henri de Toulouse-Lautrec e Émile Bernard. Inspirado por eles, pela atmosfera parisiana e pelo modernismo, ele passou a incorporar em seus trabalhos cores mais vibrantes, a retratação de flores e objetos cotidianos, cenas urbanas além das rurais, retratos e pinceladas rápidas e fortes, ao ponto de deixarem pelos nos quadros. Dessa forma, nasceu o estilo van goghiano que conhecemos e amamos.


Vincent van Gogh, Montmartre Hill with Quarry , 1886 Cansado da agitação de Paris, o artista se mudou para Arles, no sul da França. Nesses lugares, foram produzidas as obras mais famosas e talentosas de Vincent. Os filmes "Com amor, van Gogh" e "No Portal da Eternidade" mostram perfeitamente como era a rotina dele nesse tempo: eternamente sozinho, mesmo com eventuais visitas e conversas em cafés, frustrado, por não ter suas obras vendidas e deprimido, com seus transtornos mentais mais fortes que nunca. No começo, Vincent se deslumbrou pelo lindo cenário e começou a trabalhar entusiasticamente. Seu estilo ficava cada vez mais solto e expressivo, e ele finalmente encontrou a inspiração em sua forma mais pura: a felicidade. Ele até teve a ideia de criar uma espécie de "Studio do Sul", onde artistas como ele poderiam produzir e ter seus trabalhos vendidos por Theo em Paris. Em uma carta para Theo, ele afirma: 'Você sabe que sempre achei ridículo os pintores viverem sozinhos etc. Você sempre perde quando está isolado'. Essa afirmação mostra o quanto ele estava disposto a melhorar, o quanto ele tinha se recuperado.


Vincent van Gogh, The Harvest , 1888



Vincent van Gogh, Sunflowers: versão quatro, agosto de 1888 Entretanto, apenas Paul Gauguin fez parte do Studio do Sul. Para que ele e Gauguin pudessem viver em constante comunicação e colaboração, Vincent alugou quatro quartos na Casa Amarela. A cooperação entre os dois resultou em trabalhos excepcionais e na felicidade de ambos, mas eles tinham visões bastante diferentes sobre arte; enquanto Gauguin se inspirava apenas pela imaginação, Vincent pintava apenas o que conseguia ver, o que criou uma tensão entre eles. Quando Paul ameaçou deixa-lo, Vincent o ameaçou com uma faca e, na mesma noite, cortou sua própria orelha, a embrulhou em um jornal e a deu de presente para uma prostituta.


Paul Gauguin, Vincent van Gogh Painting Sunflowers , 1888 Assim que ouviu sobre o incidente, Theo foi para Arles e relatou em uma carta: 'Encontrei Vincent no hospital em Arles. As pessoas ao seu redor perceberam por sua agitação que nos últimos dias ele vinha apresentando sintomas daquela doença mais terrível, da loucura, e um ataque de fièvre chaude, quando se feriu com uma faca, foi a razão pela qual foi levado para o hospital. Ele permanecerá louco? Os médicos acham que é possível, mas ainda não ousam dizer com certeza'.


Vincent van Gogh, Auto-retrato, 1889 A partir desse ponto, na minha opinião, a historia é inteiramente uma de tristeza e vulnerabilidade, aquela mesma vulnerabilidade de que falei no começo do artigo. O que mais me choca sobre essa ocorrência é a reação da sociedade e, surpreendentemente, a de Theo. É compreensível (porém não certo) que a população tivesse preconceito quanto a Vincent, afinal a saúde mental era um tabu enorme. Mas e Theo? Vimos ao longo desse texto que Vincent sempre demonstrou sinais de que ele tinha transtornos psíquicos, principalmente nas cartas. Theo escolheu simplesmente não prestar atenção? Tratar o irmão como um fardo e não como alguém que precisava de cuidado? Sempre se lembre, leitor, de que a coisa mais poderosa que podemos fazer por alguém que não está bem é se importar genuinamente, respeitar e estar com a pessoa. Me entristece que Theo tenha feito isso superficialmente, de modo financeiro. Após o retorno de Theo e Paul a Paris, Vincent ficou sozinho novamente. Meses depois, ele se internou voluntariamente no hospital psiquiátrico Saint-Paul-de-Mausole, em Saint-Rémy. Em seu ano na instituição, Vincent pintou 150 quadros, sendo "Noite Estrelada" o mais famoso entre eles. Sua saúde mental melhorava, mas ainda haviam crises. Certa vez, ele comeu sua tinta à base de óleo, o que fez com que os profissionais do hospital o impedissem de pintar por um tempo. Acerca disso, ele diz a Theo: 'Quanto a mim, minha saúde está boa, e quanto à cabeça será, esperemos, uma questão de tempo e paciência'.


Vincent van Gogh, A Noite Estrelada, 1889 Enquanto isso, Theo se casou com Jo Bonger, com quem logo teve um filho, nomeado em homenagem a Vincent. Ao saber disso, Vincent começou a pintar, como um presente para seu sobrinho, um de seus quadros mais famosos: Almond Blossom. Em uma carta à sua mãe, ele relata como se sentiu nesse período: 'Eu preferia muito mais que ele desse ao seu filho o nome do papai, em quem tenho pensado muito nestes dias, do que o meu, mas de qualquer maneira, como foi feito agora, comecei imediatamente a fazer uma pintura para ele, para pendurar em seu quarto. Grandes ramos de amendoeiras brancas em flor contra um céu azul'. Ao passo em que isso acontecia, as pinturas de Vincent passaram a fazer sucesso na Bélgica, recebendo ótimas críticas.


Vincent van Gogh, Almond Blossom , 1890

Depois que saiu de Saint-Rémy, Vincent morou em Auvers-sur-Oise, residida por outros artistas. A vila dava a Vincent exatamente o que ele precisava: paz, natureza, um médico amigo e proximidade de Paris para visitar Theo. Nesse tempo, Vincent fazia um quadro por dia e sua saúde melhorava. Porém, tudo mudou quando Theo decidiu deixar seu trabalho como negociador e criar seu próprio negócio. Mesmo com a segurança de Jo e Theo, Vincent ficou extremamente melancólico e preocupado com a situação: 'Voltando para casa, eu ainda me sinto muito triste e continuo a sentir que a tempestade que te ameaça também pesa sobre mim. O que pode ser feito - veja, geralmente tento ser bem-humorado, mas minha vida também é atacada pela raiz, meu passo também vacila'. A incerteza sobre seu futuro financeiro e mental o atormentou até que ele tomou a decisão mais infeliz possível: o suicídio. No dia 27 de julho de 1890, ele atirou em seu próprio peito. Vincent foi enterrado três dias depois, deixando para trás 850 pinturas e 1,300 desenhos. O que aconteceu depois, o surgimento da fama de Vincent, já é conhecido demais para ser posto aqui. A moral da história, mesmo essa tendo um final trágico, é que só em nossa vulnerabilidade e coragem emocional podemos achar a felicidade: precisamos ser verdadeiros como Vincent em seus pequenos momentos de euforia pintando, mesmo que acabemos sendo transparentes, pois esconder nossa dor e juntá-la dentro de uma caixinha trancada no fundo de nossa alma é o pior que podemos fazer, o mesmo que travar uma luta eterna contra si.


Fonte: https://www.vangoghmuseum.nl/nl/kunst-en-verhalen/vincents-leven-1853-1890

-Por Ana Ferreira da Motta Costa


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