Pensamento social brasileiro e a valorização da produção nacional: além dos estrangeirismos
- Pugna!
- 21 de nov. de 2020
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O termo “pensamento social” foi trazido para a sociedade brasileira em 1830, através da imprensa, a qual tinha função essencial pois era transmissora de ideias e sentimentos de caráter moral, além de ser divulgador de debates e produções culturais e sociais. Contudo, ainda apresentava uma influência forte do sistema colonial português, caracterizado pela influênciada religião católica, elite possuidora de propriedade privada e escravidão, sem uma produção tipicamente nacional. Já pela década de 1930, começa a perspectiva de uma produção baseada no pensamento social brasileiro, devido à forte influência da Semana de Arte Moderna de 1922, por exemplo, a qual buscou influências brasileiras e negação de aspectos internacionais na fomentação das artes, pinturas, danças, poesia etc. Com isso, passamos por um momento de aquisição do nacionalismo e valorização das características, peculiaridades e ideias locais a fim de criar uma cultura intelectual brasileira propriamente dita. Assim, nomes como Gilberto Freyre, Euclides Cunha, Alberto Torres, entre outros, surgiram para destacar problemas sociais daquela época com uma visão brasileira e cultural do Brasil. Além disso, no meio de 1960 e 1970, o pensamento social brasileiro se vinculou a comunidade universitária e foi tema de vários cientistas sociais da época, como Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda eRaymundo Faoro. Sendo assim, cria-se o conceito de pensamento social brasileiro como criação de uma consciência coletiva nacional, ou seja, sociólogos preocupados com a criação de conceitos e com a resolução dos problemas sociais nacionais, abordando sem influênciasestrangeiras e demonstrando um entendimento do contexto e do passado histórico brasileiro. Em resumo, a busca de uma produção nacional livre dos “estrangeirismos” e a quebra do pensamento colonial, para assim formar uma nova influência intelectual. Nesse âmbito, hoje irei abordar um autor importante para a cultura e produção intelectual, a fim de valorizar os pensadores locais. Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982) foi um sociólogo baiano que se destacou no início da formação do que chamamos de pensamento social brasileiro. Demonstrou uma visão crítica sobre os fundamentos das Ciências Sociais e ser um ativista pelo movimento negro, o que inovou a abordagem das questões raciais da época. Além disso, também era servidor público, com atividades acadêmicas e filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro. Ele iniciou seus estudos na Bahia e seguiu no Rio de Janeiro. Com escritos em maioria jornalístico e literário, sempre marcados pelas relações raciais e pelo lugar do negro na história brasileira. No Rio, se formou na Faculdade Nacional de Filosofia em Ciências Sociais e logo após em Direito. Em decorrência, lecionou cursos de sociologia, no Departamento Nacional da Criança e tornou se professor da Escola Brasileira de Administração Pública e Fundação Getúlio Vargas. Nesse meio político e acadêmico, produziu artigos e legados para o desenvolvimento nacional dos fundamentos da sociologia, baseado na construção histórica brasileira. Um exemplo das suas obras é a “A Introdução Crítica à Sociologia Brasileira”, a qual foi publicada na década de 50 e criticou a abordagem sociológica dos negros como objeto social, ou seja, que não estão incorporados na população brasileira. Tal visão, de acordo com o autor, legitima o preconceito e era causado por um intelectualismo exógeno, sendo assim, o racismo seria uma patologia do branco, visto que nega a realidade social brasileira. Assim, mesmo em uma época mais conservadora, ele já relaciona o que atualmente é chamamos da importância da representatividade. Concluímos que mesmo sendo um intelectual da década de 50, traz pensamentos e conceitos atuais, o que prova a falta de evolução histórica do Brasil. Outra contribuição do autor, foi sua obra “ARedução Sociológica”, na qual ele criou um método, assim, abordou como “ um método destinado a habilitar o estudioso a praticar a transposição do conhecimento e de experiencias de uma perspectiva para outra” ( p. 54). Dessa forma, ele propôs um abando da importação de teorias sociológicas e tudo que se configura como depuração, desnecessário. De acordo com ele, se trata de uma “atitude metódica que tem por fim descobrir os pressupostos referenciais de natureza histórica dos objetos e fatos da realidade social” (p. 84). Com base no pensamento do sociólogo de Husserl de redução fenomenológica, que aborda sobre o abandono de crenças e costumes nas ciências para assim perder influencias nesse sentido e ter um estudo e produtos mais puros, e no trabalho do sociólogo Karl Mannheim, considerado por Guerreiro Ramos como fonte base do seu método, que traz um estudo referente ao historicismo, a fenomenologia, a sociologia do conhecimento e o existencialismo. Com isso, através da redução sociológica, ele propõe uma observação da realidade social livre de preconceitos, para que assim pudesse preservar o contexto histórico da sociedade. Além disso, tal meio só seria possível se seguisse quatros leis, o que ele abordou como características essenciais da redução sociológica: Lei do comprometimento, Lei do caráter subsidiário da produção científica, Lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência e a Lei das fases. Ao analisar cada umatemos a Lei do comprometimento, a qual afirma que o sociólogo deve estar engajado com o seu contexto para pôr em pratica a redução sociológica. Já a Lei do caráter subsidiário da produção científica propõe que as teorias eproduções científicas estrangeiras não deveriam servir como modelo para estudos locais, ou seja,conforme o autor, “Ao utilizarmos um objeto ou produto, sem reduzi-lo, somos envolvidos pela internacionalidade de que é portador” (p. 122). Ao abordar a Lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência ele traz a tentativa de criação de uma sociologia nacional, ao propor que o sociólogo deixe de absorver passivamente os conceitos estrangeiros e passe a ser cientista ativo das ideias, conceitos e estudos. Na Lei das fases ele aborda os problemas de uma sociedade como consequência direta da fase e contexto no qual o grupo está vivendo, ou seja, a razão histórica, a qual é evidente a influência de conceitos marxistas. Essa obra teve forte aceitação nosestudos de administração e vai ser retomada em sua próxima obra “A nova ciência das organizações”. Além das suas obras cientificas e metodológicas, Guerreiro Ramos também trouxe uma grande contribuição para o âmbito poético e literário com sua obra “ O drama de ser dois”, livro de poesia, o qual traz uma linguagem comum que reflete muito do sentimento de culpa e desabafo do autor, além de um conflito eminente com o seu mundo, uma preocupação com a visão social, com sua afrodescendência e origem menos favorecida financeiramente, visto que lidava com a discriminação de um Brasil com fortes influencias coloniais e uma academia predominantemente branca. Um dos seus poemas mais conhecidos seria “O Canto da Rebeldia” que demonstra extremamente essas reflexões: ...Canto a rebeldia. A rebeldia é meu clima. A rebeldia é minha docilidade para com Deus. Deus me tornou rebelde. Sim. Deus me inspirou a santa rebeldia. A minha linguagem! Vocês não entendem minha linguagem, meus amigos. Meus amigos se desconcertam diante de mim. Eu desconcerto meus amigos. Meus inimigos, esses, me acham ridículo. Meus inimigos sorriem de mim. Mas sou rebelde porque dócil. Sou rebelde porque humilde. E tenho para os meus amigos e inimigos um transbordante amor. Sou rebelde porque humano. E meus amigos e inimigos são desumanos. São homens honestos, bons funcionários, bons cidadãos. Respeitam a ordem. Respeitam a opinião. São sensatos, os meus amigos e inimigos. Amam o progresso, a civilização. Mas eu sou bárbaro. Deus me tornou bárbaro. Deus me tornou insubmisso. E protesto contra os homens que estão mergulhados no esquecimento. Que estão tiranizados pela ordem, pela opinião, pela civilização... Guerreiro Ramos (O drama de ser dois: poesias. Salvador, 1937) Com isso, após o golpe de 1964, Guerreiro Ramos teve seu cargo do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) cassado pelos militares, os quais forçaram seu exílio para os Estados Unidos. Ele seguiu seus estudos na Escola de Administração Pública da University of Southern California, em Los Angeles e seguiu suas produções com um sentimento de deslocamento na comunidade americana e de não pertencimento a outro local. Segundo o sociólogo em uma conversa com aluno, “Eu não pertenço a coisa nenhuma. Eu não sou um acadêmico americano. […] esse livro não tem nada a ver, é contra toda a ciência americana. Mas isso eu devo ao Brasil, porque o Brasil me deu essa amorfia, esse caráter amorfo. Eu não estou em nada, em coisa nenhuma, não pertenço a coisa nenhuma. Eu sou eu. Eu estou onde o meu interesse está. Onde não está, não existe.”Guerreiro Ramos não voltou para o Brasil, como pretendia, haja vista que faleceu em 1982 na Califórnia, deixando um grande legado para o pensamento social brasileiro. Assim, é perceptível que temos vários estudos, conceitos e cultura nacional. Infelizmente, a sociedade brasileira em geral tem a descrença relacionada a produção científica do nosso país e sempre valorizamos tudo que se refere aos estrangeirismos. Precisamos ler e buscar mais, a fim de legitimar e de alimentar em jovens e crianças o sentimento de futuros reprodutores de um conhecimento relacionado ao contexto histórico e social brasileiro, além de valorizar os cientistas e as produções locais. Somos um povo, uma cultura e um país diverso, falta, somente, a valorização dessa diversidade.
-Por Maria Fernanda
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