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Escola: falhas curriculares e a realidade atual de ensino

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 15 de jun. de 2020
  • 5 min de leitura

Foto: Joana Berwanger/Sul21

 

As nossas ideias de educação andam deturpadas. Afinal, foge do papel de escola que seu foco seja não o ensino em si, a formação de valores, de cidadania, a aquisição de conhecimento, mas sim o vestibular. Que controverso, essa grande prova, que deveria ser o sinônimo de aplicar tudo que se aprende na escola, então ganha o poder de modificar o que se é aprendido e a forma como se aprende. De repente, estudantes estão em seus colégios com a função de entrar na faculdade e os seus desejos não são o conhecimento do assunto em si, mas de como ele se aplica a uma prova. O objetivo dessa fase é puramente alcançar a próxima e, nesse sentido, perde-se uma etapa da vida. Especialmente no último ano de preparação, a vida de um adolescente se resume a comer, dormir, ir às aulas, estudar, responder questões e repetir tudo isso outra vez. A pressão é enorme, gerando muita ansiedade. É isso que queremos para nossos adolescentes¿ Indo além, o vestibular não é o único problema da escola, visto que o seu currículo também traz limites para o desenvolvimento do aluno. Rígido, inflado, pouco flexível e excludente, não representa as necessidades reais de um estudante do ensino médio. Porém, todas essas críticas perdem um tanto de sua relevância quando falamos do setor público. Além de vários outros problemas como a falta de material, nele nem sequer funciona o proposto no foco ao vestibular ou o currículo nacional, o qual tem agravada em muito a sua deficiência.


Em primeiro lugar, precisamos entender as debilidades que acompanham a avaliação por meio de vestibulares. Por ser um exame único, realizado apenas uma vez por ano, há a chance de o aluno ser prejudicado na prova por fatores isolados. Por exemplo, um ataque de ansiedade, o falecimento de um ente querido, um mal-estar, um acidente de trânsito ou de qualquer outro tipo. Nesse caso, o teste apresenta uma barreira para alunos, pois em parte reduz a um dia bom ou ruim o resultado do próximo ano de suas vidas. Por isso, o ENEM não representa o que cada aluno pode oferecer, suas capacidades e características, esperando apenas um conhecimento bruto, objetivo e desumanizado. Entretanto, há sempre alguém a lucrar com as falhas sociais, e nesse caso não é diferente. Surge então uma grande e forte indústria em volta da existência desses vestibulares, os chamados cursinhos. A classe média e média alta se aproveitam dessa oportunidade, e assim é criado um abismo ainda maior entre os alunos de rede pública e particular.


Não é nenhuma novidade a precariedade do setor público no campo da educação escolar, que um dia foi o melhor do país. Porém, as coisas mudam e hoje só estuda em escola pública quem não tem dinheiro para estudar na particular. O Estado falha descaradamente em garantir que sua população seja educada e o governo atual não faz questão alguma de investir em sua melhoria. Muito pelo contrário, não reconhece a sua necessidade e urgência, referindo-se ao que ocorre nas faculdades públicas como balbúrdia, disse o atual ministro Abraham Weintraub que assim prova não ter a menor ideia do que realmente ocorre numa universidade brasileira.


Faculdade: o sonho de muitos jovens e pais, que nunca tiveram a oportunidade de ingressar no nível superior ou de completá-lo. Impensável que ainda falhem em reconhecer a necessidade das cotas. Afinal, a diferença de realidade entre o pobre preto e o rico branco é surreal. Está escancarada para qualquer um que se puser disposto a enxergar. Custa acreditar que tanta gente discorda dessa política. Se bem que, é até fácil não enxergar sua necessidade quando você tem medo de que o seu filho não passe na faculdade. A culpa nunca poderia ser dele. Ele é estudioso, dedicado. Se o cotista não tivesse roubado a vaga dele é claro que ele teria passado. Que ignorância! Primeiro, cotistas competem exclusivamente com outros cotistas. Ou seja, a vaga do seu filho nunca poderia ter sido perdida para o cotista porque eles não estavam concorrendo um contra o outro para começo de conversa. Segundo, as cotas existem porque não é justo que seu filho tenha uma escola maravilhosa, faça cursinho, possua ótimos materiais escolares, tenha acesso a livros e a internet, não trabalhe, não tenha que ajudar na criação dos irmãos e então vá competir com uma pessoa que não possua nenhum desses privilégios. Os dois estudantes nunca poderiam estar no mesmo nível e, sem as cotas, o resultado seria a elitização das universidades públicas. As comunidades mais pobres, sem acesso à educação, não teriam oportunidade de crescer. Agora que já foi vista a necessidade das cotas, vejamos o porquê das cotas para pretos e para indígenas. Afinal de contas, somos todos iguais, não somos? Sim, mas nossas realidades sociais são diferentes. As cotas para esse grupo, que tem que se encaixar dentro das cotas para escola pública, são uma reparação histórica. Vamos fazer um pequeno exercício. No próximo local frequentado pela classe média alta que você for, conte quantos pretos estão presentes no local. Se você estuda ou estudou em escola particular, conte quantos pretos estão na sua sala. Na minha, 4 de 33 alunos. Os pretos e pretas no Brasil, em sua grande maioria, não se encontram em posições de poder. E isso não é aceitável. Então, que forma melhor de mudar isso do que com a educação?


E, antes de sair desse tópico, quero reforçar que se nenhuma forma apoio as cotas como medida permanente. Elas precisam acabar. Não deveriam nem sequer ter começado, mas foi preciso. Era isso ou tirar a oportunidade de educação superior de uma geração inteira. Investimentos na educação deveriam ser prioridade no governo. Qualquer Estado que valorize uma população informada e consciente precisa investir em educação pública gratuita e de qualidade. Porém, um povo com voz é o terror dos poderosos.


Tratemos por fim de uma questão essencial quando se fala de educação no país: o currículo escolar. O currículo atual, infelizmente, não está preparado para a diversidade de alunos que encontra. Não leva em conta vocações e não apresenta flexibilidade alguma para incluir conteúdos da própria região. Consegue ser, ao mesmo tempo que inflado, excludente. Sobrecarrega seus alunos com informações que não terão utilidade em suas vidas pessoas ou em sociedade, criando um abismo entre a própria instituição escolar e o meio social fora dela. Ao saírem da escola, alunos não tem noção básica de política. Não sabem o que significa a democracia em que vivem ou como funciona. A consciência política não existe ou é mínima, pelo menos não pelo que foi ensinado. Além disso, ignora habilidades ou talentos particulares a cada aluno. Aulas de dança, música e desenho são achatadas em uma aula de história da arte por semana 100% teórica. A escola não fala de bem-estar ou de saúde mental. Alunos sofrem com ansiedade, depressão, estresse, crise de pânico, hiperatividade. A escola finge que não vê. O atual currículo escolar é limitante, para dizer o mínimo. O aluno é meramente uma esponja que absorve conteúdo, mas não produz nada.


Enfim, entramos em um ciclo. Estudantes não recebem uma educação de qualidade. Crescem, se tornam cidadãos desinformados. Por sua ignorância, não possuem compreensão de quão destrutivo é o atual sistema. Votam em pessoas que não tem intenções de mudar o status quo vigente. Não pressionam por mudanças. São inertes. Existem e coexistem em sociedade, sonhando com uma sociedade melhor e sem fazer nada para atingi-la. Enquanto isso, os representantes eleitos por eles mesmos mantém tudo como está sem grandes questionamentos. E novos estudantes saem da escola. É como disse Darcy Ribeiro: “A crise da educação brasileira não é uma crise. É um projeto”.

-Por Celi Mitidieri

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