Inconsequência e Irresponsabilidade: O Novo Código Florestal
- Pugna!
- 24 de ago. de 2020
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Em 1965, o Brasil teve seu primeiro Código Florestal. Construído por especialistas e advogados, preocupou-se com as questões ambientais, econômicas e sociais, os três pilares da sustentabilidade. Infelizmente, em 2012, o Congresso Brasileiro aprovou o Novo Código Florestal, desenvolvido por políticos, muitos dos quais estavam na área de agricultura e pecuária, sem levar em consideração as questões ambientais que poderiam surgir como consequência. Os resultados são catastróficos. Existem três problemas principais com o novo código. Primeiro, libera as pessoas da necessidade de reflorestar áreas destruídas em reservas legais. Segundo, a perda em tamanho das áreas que precisam ser mantidas com vegetação nativa. Terceiro, os efeitos dessas mudanças na mentalidade das pessoas da área.
Ao eliminar a necessidade de reflorestar áreas destruídas nas reservas florestais antes de 2008, milhares de quilômetros do que antes eram áreas protegidas agora estão perdidos para os ruralistas. A soma total das regiões desmatadas que agora não precisam ser reflorestadas equivale a 29 milhões de hectares, e 60% dessa perda está na região amazônica (1). Muitos ecossistemas prejudicados e espécies extintas. No código antigo, 50% de todas as terras em locais de preservação precisavam ser preservadas com vegetação natural. Todas as áreas destruídas precisariam, portanto, ser reflorestadas. Depois do código, todos aqueles que destruíram, mesmo que completamente, seus 50% até 2008 estão legalmente perdoados e poderão usar a área como bem entenderem. Uma grande recompensa por infringir a lei.
Mesmo assumindo que esse dano não seja tão grande, que podemos criar políticas sustentáveis sem aquela terra, as leis sobre os percentuais e a quantidade de áreas reservadas para preservação também mudaram. Agora, os 50% preservados nas reservas legais só precisam ter metade das espécies reflorestadas mantidas como nativas. A outra metade pode ser exótica. Os animais daquela localidade podem apresentar dificuldades em se adaptar ao novo ambiente, gerando competições. Isso contribui diretamente para um ecossistema desequilibrado e, consequentemente, para a extinção de espécies (2). Além disso, o bioma manguezal, que antes era protegido por lei e considerado área de preservação permanente, agora pode ter 10% de sua região destinada à carcinicultura no bioma amazônico. Em outros biomas, esse percentual sobe para 35%. A atividade contribui para a poluição em todo o ecossistema, pois libera toxinas, como antibióticos e fertilizantes, que se espalham pela área. Para cada emprego gerado nessas fazendas, quatro foram perdidos (3). É necessário lembrar que zonas costeiras são patrimônio nacional. Manguezais estão em zonas costeiras. Quando vamos começar a tratar patrimônio com respeito e cuidado ao invés de descaso? Talvez somente quando ele se tornar privado esse valor será visto, pois o público é constantemente considerado como o do outro e, por isso, disponível à destruição, principalmente quando interesses pessoais estão envolvidos. Em se tratando das matas ciliares, a situação também não é boa. Antes do código, 30 a 500 metros eram preservados nas margens do rio de acordo com seu tamanho. Agora, varia de 5 a 100 de acordo com o tamanho do imóvel do proprietário rural. Com uma distância tão pequena como 5 metros, não é possível proteger o rio de ameaças externas como agrotóxicos levados pela chuva, e algumas causam sérios danos ao ecossistema, ocasionando em problemas como a eutrofização. Mais um grande perigo são os tocos de morro de até 45 de inclinação e encostas íngremes. Quando a escolha de as manter desmatadas é feita, o risco de desabamento é alto. As águas da chuva que seriam absorvidas agora correm pelo solo como lama, e há vários casos de desabamento. Como grande exemplo, há a região serrana do Rio de Janeiro. O desastre causou 918 mortos e 99 desaparecidos, sendo lembrado como um dos maiores desastres naturais da história do país. Muitos desses moradores não têm para onde ir, e, vendo áreas desmatadas, recorrem a elas para pôr um teto sob suas cabeças. Mesmo hoje, nove anos depois da tragédia, a situação não melhorou, tendo em vista que 172 mil pessoas estão na região serrana com grandes riscos de deslizamento, enchentes ou alagamentos. “Eu sei que há perigo, mas vou morar onde? Vivo de biscates, não tenho renda para pagar aluguel”, diz o senhor Oldair” (4). É triste notar que isso torna-se aceitável aos olhos de nossos representantes ao legalizarem essas áreas como desmatadas ao invés de prestar serviços a essa população, construindo casas, profissionalizando e investindo em mudanças sistemáticas por essas comunidades vulneráveis. Esses são apenas alguns exemplos da negligência do Novo Código Florestal, que alterou 53 dos 84 artigos presentes no código anterior (3).
Finalmente, as consequências disso na mentalidade das pessoas precisam ser avaliadas. Que tipo de exemplo o Congresso está dando a seus cidadãos? Se 85% dos brasileiros discordaram da criação desse código e do que ele representava, o que leva os nossos representantes a aprovarem uma medida tão impopular (3)? O movimento “Veta, Dilma!” foi criado pelo povo para pedir à presidente que não assinasse o novo código. No entanto, isso não alterou o resultado, ela tendo apenas vetado pequenas questões. Ao aprovar a medida, a mensagem é que vale a pena desmatar. Seguir a lei tornou-se uma desvantagem. Perdoar todos aqueles que desmataram, não os obrigando a pagar multa nem a fazer crescer a vegetação nativa, mas dando-lhes as terras reservadas para preservação, é basicamente premiar alguém por suas atividades ilegais. O vizinho de quem desmatou seguiu todas as normas, mas viu que o colega no ramo dobrou suas terras por não seguir a lei. É difícil não se sentir estúpido e desmotivado para seguir os regulamentos quando a lei o põe em situações de prejuízo. A visão agora é desmatar e esperar pelo perdão. Afinal, apenas 0,06% de todas as multas ambientais aplicadas desde 2012 foram pagas (5). O calote atual é de quase 60 bilhões, e sem muita perspectiva de pagamento, já que aos olhos do nosso não tão ilustre presidente, o Ibama é uma “indústria de multas” aplicadas em razão de perspectivas “ideológicas”, cujo maior objetivo é prejudicar o agronegócio (6).
E quais são as desculpas trazidas por esses políticos para alterarem a lei? “Precisamos alimentar nossa população”, disseram. Mas analisando dados, vemos que há 270 milhões de hectares de áreas agrícolas no Brasil. Desses, apenas 60 milhões são usados na agricultura. Os outros 210 são compostos pela pecuária (3). Área exorbitante e discrepante. Temos então duas opções. Primeiro, o menor consumo de carne, que seria muito benéfico para o meio ambiente como um todo e nos pouparia muito espaço. Segundo, e mais provável de ser aceito pela população e pelo governo, o investimento em tecnologia para diminuir o espaço necessário na produção de carne. Se isso é feito, não há perda ou falta, mas sobra e fartura. Mas o que foi realmente considerado não foi a fome no país, foram os interesses privados dos grandes latifundiários. Não houve um debate quanto aos impactos negativos que o novo código traria a médio e longo prazo, impactos esses que hoje oito anos depois vemos tão claramente. O que foi feito se trata de uma grande catástrofe arquitetada entre os políticos do nosso muito polêmico congresso, que aprovaram a nova legislação por 59 votos a 7 no Senado e 274 votos a 184 na Câmara (7 e 8). E, claro, aprovada pela ex-presidente Dilma, que falhou enormemente em seu compromisso de defender a nação ao nos colocar em situação de vulnerabilidade ambiental através do Novo Código Florestal.
Enfim, a elite brasileira, podre e inconsequente, toma como costume “socializar o prejuízo e privatizar o lucro”, como disse a doutora Yara Novelli. Mas a culpa não pode recair toda sobre esses políticos. Afinal, na nossa democracia representativa, em que votar é um de nossos maiores poderes, nós somos negligentes nas nossas escolhas para representantes. Não tomamos decisões embasadas e informadas, mas escolhemos por pura simpatia e conforto. Numa cultura assim, como posso esperar que esse corpo eleito por uma maioria desinformada, seja consciente de suas ações? Não tiro a culpa de um congresso irresponsável, mas a expando àqueles que, por irresponsabilidade, elegeram-nos. A mudança começa no povo, o poderoso corpo político. Por nós, alguns recursos ainda são vistos como infinitos, e isso se expande a pessoas que se consideram boas o suficiente para mudar a lei para seu ganho privado, em vez de pensar no bem-estar público. Pedir mudança não basta. É preciso ser a mudança, experimentar a mudança. Seja o exemplo que gostaria que os outros seguissem. Enquanto isso, exija mais dos seus representantes. Porque no Novo Código Florestal, a perda foi grande. E foi nossa.
- Por Celi Mitidieri
Fontes:
3. Documentário A Lei da Água (O Novo Código Florestal)
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