Pensando um pouco sobre Política e Religião através da História
- Pugna!
- 7 de mar. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 9 de mar. de 2020

Às vezes é difícil para nós, diante da acomodação de uma vida em pleno século XXI, nos desgarrarmos do nosso ponto de vista e olharmos a política com uma perspectiva sensível historicamente. Quando se trata de política, religião, moral e estética, é preciso lembrar que nem sempre essas coisas estiveram assim compartimentadas em nomes e setores relativamente independentes nas nossas cabecinhas humanas. Essa divisão, na verdade, começou a se delinear a partir da Idade Moderna e depois da filosofia de Kant tivemos a confirmação de uma reviravolta no nosso modo de pensar o mundo e a política.
Na antiguidade, o poder político era um vassalo da religião. Todo mundo sabe que os faraós, por exemplo, detinham a premissa divina de governar, e mesmo na civilização grega, que nos forneceu o primeiro molde de governo democrático, podemos perceber a religião exercendo a sua soberania, ainda que não da mesma forma. Apesar do senso comum ter se apoderado equivocadamente do conceito de mito como sendo algo não-verdadeiro, era (e ainda é) através dos mitos que a religião consegue estabelecer o fundamento da visão de mundo e da identidade de um povo. É dentro dessa visão de mundo que a religião organiza o terreno para as demais ações coletivas. O mito dá sentido ao mundo e responde as questões que o homem não tem resposta fácil (e talvez nunca tenha), e justamente nessas respostas sobre coisas como a origem do mundo, a origem do homem e a origem de um povo é que a religião consegue nos fornecer uma identidade social e uma parcela de tranquilidade para se preocupar com as questões “menores” da vida, já que esse lado transcendente estaria “resolvido”.
Até a Idade Média, a religião continuava soberana, submetendo até mesmo o poder absoluto dos reis, servindo como fonte e também como legitimadora desse poder exercido pelos monarcas. Na Europa medieval, o poder político era uma dádiva de Deus, oficializada pela igreja através dos seus representantes na Terra. Lembrem-se que até esse período não só a política, mas a arte, a ciência e a moral estavam submissas a valores religiosos, pois naturalmente se toda a concepção de mundo, toda cosmogonia estava apoiada em premissas religiosas, nada poderia ir de encontro a esse valor absoluto. Se a religião era simbolicamente o nosso absoluto, a detentora da verdade sobre a nossa existência, como ir de encontro a isso? Somente quando as controvérsias passaram a ser oficializadas foi que o serumaninho medieval começou a colocar as manguinhas de fora. A mais marcante controvérsia foi a Reforma Protestante, que, numa tacada só, nos deu a possibilidade de criticar e desconsiderar a igreja e ainda conseguir manter as pazes com Deus. A burguesia viu nessa reforma a genial oportunidade de questionar sua posição no mundo e abraçou o protestantismo com unhas e dentes. Lutero deu ao burguês a chance de mandar o papa pra aquele lugar, de ter o contatinho de Deus sem intermediários e ficar bem com isso diante de todos. De quebra, com o poder da igreja questionado, a nobreza que se escorava nesse poder estava com os dias contados também.
A filosofia (e aqui vale uma menção a Kant) tratou de organizar a bagunça estabelecendo a divisão do mundo: Poder político num canto, o Direito/Moral no outro, a Estética/Arte de escanteio, como divertimento de fim de semana, e a Religião, antiga dona do mundo e da verdade, virou um apêndice da Moral, uma coisinha singela que faz as pessoas se comportarem melhor na vida por medo do fogo do inferno, ou, como a galera esnobe do século XIX imaginava, coisa de pobre ignorante, que não vai durar mais nem um século (muito sociólogo dessa época ia ficar de queixo caído com o nosso século). A nova dona da verdade passou a ser a Ciência e o único altar em que todo mundo se ajoelha se chama Dinheiro.
Agora veja que curiosidade interessante, sempre que um governo fica com saudades do poder ilimitado que a religião fornecia como única detentora da verdade, sempre que um governo deseja um aumento de seus poderes e deseja alcançar legitimidade para o seu autoritarismo, ele vai atrás das velhas ferramentas da religião. É muito mais fácil dizer que “eu mando e você obedece porque Deus quer assim e eu sou o favorito dele pra fazer a obra e livrar a nação dos infiéis que nos levaram a pobreza” do que ter que lidar com todo o sistema democrático de discutir, ponderar, argumentar e fazer o que é melhor para o coletivo, dentro do que for possível. Foi assim com Napoleão, que mesmo cagando e andando pra igreja fez questão de ser coroado pelo papa e de humilhá-lo publicamente ainda por cima. Foi assim com Hitler, que se vendeu como salvador da Alemanha, abraçado com ordens secretas esotéricas, que juntos distorciam mitos populares no século anterior sobre a suposta evolução de raças humanas (o povão alemão adorou esse up na autoestima nacional com a lorota da raça ariana). E continua sendo assim com todo projeto de ditador ou governo que flerta com a quebra das liberdades essenciais. Nesses casos, existe sempre uma antipatia com as instituições democráticas, uma má vontade em aceitar a divisão de poderes e uma aliança ideológica com as correntes religiosas mais populares entre as massas menos esclarecidas. Fique atento com a receita desse bolo e leia mais, jovem padawan.
- Por Ivan de Aragão
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