Paulo Marinho: crise de consciência ou oportunismo político?
- Pugna!
- 18 de mai. de 2020
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Atualizado: 19 de mai. de 2020

Foto: Roque Sá/Agência Senado | ABr
"No meio de uma pandemia, coisas surreais acontecem", talvez essa seja a frase que os brasileiros do futuro usarão para falar desse período. Certamente eles terão como referência os inúmeros disparates que temos visto nos últimos dias: as inacreditáveis manifestações de falta de compostura e inabilidade política por parte dos nossos governantes enquanto inocentes morrem. Este governo já começou após uma enorme onda de vaticínios sombrios, uma grande parcela da população já previa o desastre antes mesmo da eleição ser definida. Não se trata aqui de nenhum poder psíquico envolvido, trata-se apenas de uma conclusão lógica baseada nas declarações do próprio presidente quando era candidato e das muitas falas estúpidas proferidas no decorrer da sua inexpressiva carreira política até então. Como se não bastassem as opiniões desastrosas do presidente, somos também expostos ao seu projeto cada vez mais visível de governo autoritário. Só o simples fato de termos um presidente a defender o fechamento e censura dos dois poderes que compõem o equilíbrio democrático do Estado deveria ser suficiente para nos deixar horrorizados. Mas o que leva um indivíduo que teria sido conivente com todo esse discurso no período eleitoral a, de repente, num surto de consciência moral, espalhar aos quatro ventos as intimidades do seu tempo de apoiador de suspeitos milicianos?
As reais motivações do Paulo Marinho podem não ser acessíveis a nós por meio de poderes psíquicos, no entanto os fatos certamente nos fornecem grandes indícios do que existe por trás das atitudes desse novo delator informal. Paulo Marinho era um dos coordenadores de campanha da família Bolsonaro no Rio de Janeiro. Ele chegou a ter a própria casa cedida para reuniões de campanha e, dentre outras coisas, teria abrigado em sua casa reuniões para tratar do drama possivelmente criminoso envolvendo a já conhecida história do Flávio Bolsonaro, do desaparecido Queiroz, da rachadinha e das vinculações do político com as milícias do Rio. Aliás, é de se destacar que a defesa das atividades da milícia já foi até mesmo alvo da pauta política do presidente enquanto parlamentar. A família defendia a causa, a oficialização do império criminoso dos mafiosos que disputam o domínio das favelas e que servem politicamente como capatazes para o voto de cabresto a cada eleição. Um voto de cabresto, conduzido não a chicote mas pelo estalar das armas de fogo que o governo insiste em louvar, legalizar a venda indiscriminada e até mesmo proibir o exército de exercer sua função reguladora sobre os armamentos circulantes no país.
O Sr. Marinho vem agora, às vésperas da eleição, anunciar a sua pré-candidatura ao cargo de prefeito da cidade do Rio de Janeiro e escolheu como primeiro discurso de protagonismo político a sua história macabra de 2018. Fato é que, segundo ele, um delegado da PF (sim, sigla da polícia federal, antes que alguém levante a dúvida) teria vazado informações sobre uma investigação em andamento cavando toda essa história, algo que poderia chacoalhar o resultado das eleições no meio do segundo turno e proporcionar uma derrota para a família Bolso. A investigação foi abafada e liberada ao público apenas depois da eleição. Além de aconselhar o então deputado Flávio Bolsonaro e lhe indicar advogados, Marinho ouviu toda essa história em dezembro de 2018. Ele ficou sabendo sobre a evidente manipulação de resultados e investigações policiais a fim de favorecer a campanha do presidente poucas semanas após o pleito. E pasmem, ele nada falou sobre o assunto, mesmo alegando uma singela distância da família presidencial depois desses fatos. Ele preferiu manter uma silenciosa distância e seguir a vida cômoda de empresário, agora cúmplice de uma manobra política envolvendo fraude policial e os impactos sobre toda uma nação de enganados. Esse mesmo empresário, cidadão de bem, vem a público em pleno 2020 para falar sobre as sujeiras do passado e se promover ao cargo de prefeito.
A entrevista em que ele revelou os detalhes das conversas de 2018 já resultou em pedidos para que ele seja envolvido nas investigações conduzidas pelo ministro Celso de Mello no STF. Parece que a entrevista se converterá em depoimento e nós ficaremos aqui, no isolamento de uma quarentena, esperando os resultados dos próximos capítulos da saga judicial que definirá os rumos da política brasileira. 2020 será conhecido como o ano de surgimento dos "heróis da conivência", um título destinado àqueles descarados capazes de apoiar um crápula por meses, em silêncio, todavia covardes demais para afundar com o capitão do navio. 2020 entrará para a história como o ano em que os lobos deram entrevistas para convencer as ovelhas da ausência de culpa pelas mortes no rebanho. Empresários, ex-juízes e ex-ministros são os candidatos do momento ao cargo de herói nacional, ansiosos pelo seu possível voto ou pelo seu perdão ao final de tudo isso. Como não é novidade para ninguém, a política neste país é um caso de polícia, talvez até mesmo um caso de milícia.
- Por Ivan de Aragão
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