Por que às vezes é tão difícil mudar de ideia?
- Pugna!
- 16 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Por que às vezes é tão difícil mudar de ideia? Por que será que um simples gesto pode ser tão constrangedor, tão controverso ou incômodo? Você já parou para pensar sobre o motivo desse desconforto? O que está implicado numa simples mudança de postura intelectual? Pessoas estão sujeitas a mudanças de comportamento, todos nós sabemos e aceitamos este fato tranquilamente, porém parece que aceitar uma mudança de opinião alheia pode ser mais fácil do que lidar com as consequências da própria mudança.
O grande problema de mudar de opinião é que, em algumas situações da vida, nós colocamos o peso das nossas escolhas sobre as nossas ideias. São aqueles momentos em que uma opinião que se tem acaba interferindo numa decisão prática do cotidiano. De repente você se vê numa encruzilhada, diante de fatos, argumentos e situações desagradáveis que lhe empurram para uma revisão de suas ações e percebe que todas as suas atitudes num determinado momento da sua vida foram apoiadas numa visão de mundo agora questionável. Você percebe que a sua crença naquele posicionamento definiu uma série de escolhas suas, como a sua profissão, suas atitudes a respeito de pessoas próximas, a condução do seu relacionamento amoroso ou até mesmo posturas assumidas sobre algum tema e uma porção de coisas possíveis nesse entremeio cultural, afetivo, político e religioso da vida humana.
O grande problema de mudar de ideia é tão somente ser obrigado a abrir mão de um pedaço do próprio ser. Não apenas o pedaço abstrato de um pensamento, mas abrir mão de quem você era diante daquele pensamento. Então finalmente chegamos na questão central de todos os nossos problemas: nós mesmos. Nossa consciência tende a girar em torno desse produto construído através do tempo, através das nossas singelas biografias. O produto é o nosso próprio eu. Nossa complexa criatura formada por uma sucessão de eventos desde o nosso nascimento. A nossa individualidade está no centro do desconforto diante da mudança de ideia. Não a nossa individualidade em si, simplesmente a nossa noção a respeito dela.
Admitir o erro de uma escolha, admitir as consequências de um engano esbarra diretamente no nosso ego, esbarra nas consequências indesejadas de se perceber errado. Perceber-se no erro é uma das coisas mais desagradáveis, não é mesmo? E nesse momento de confronto com a possibilidade do erro surge uma bifurcação: Assumir e buscar uma reparação para as consequências de agir de uma forma que não é mais considerada como adequada ou investir na permanência da postura, na negação dos fatos e na defesa da sua própria imagem idealizada diante do confronto com os outros. Um é o caminho do diálogo, da análise e da crítica, um caminho claramente mais sábio, mais efetivo, mais seguro na medida em que se desenvolve a partir da serenidade e segurança do que se é. O segundo caminho fatalmente conduz a discussões infrutíferas, violência e ignorância.
A dificuldade em lidar com os nossos próprios pensamentos, conceitos e ações pode estar relacionada com a nossa desastrosa busca por identidade. A identidade não é o problema, o perigo está no caminho que trilhamos até ela. Por vezes estamos tão ansiosos por uma definição, tão necessitados de uma certeza para apoiar nossos pés que facilmente nos submetemos a ilusões ou conclusões precipitadas. É como se o nosso medo do caos e da ausência de sentido na vida nos cegasse a ponto de impedir o discernimento do que é real e do que é apenas a nossa projeção sobre o mundo. Desde a infância construímos as nossas referências a partir das nossas experiências e observações. A certeza da nossa condição limitada e finita nos faz intuir em relação ao mundo uma mesma cadeia de causalidade e finitude. Basicamente partimos da premissa de que tudo deve ter um momento de origem, uma causa originária, uma finalidade e um término. Sim, somos completamente limitados e escravos do conceito de tempo. Desta forma viciamos em procurar sentidos, explicações, causas mirabolantes capazes de conceber, criar, gerar, provocar fatos, eventos, seres... É quando lançamos um pouco de luz sobre esses nossos impulsos que percebemos o quanto aquilo que concebemos a respeito do mundo ao nosso redor está atrelado a esse padrão de raciocínio. Desse padrão de raciocínio, nós concluímos o esboço da nossa identidade, esboço que defenderemos com unhas e dentes caso algo ameace a coesão da narrativa que sustenta quem somos, no trato com as nossas realidades de vida tão distintas.
Às vezes mudar de ideia é como mudar de identidade, mudar de ser, abandonando condutas, palavras, coisas, objetos, pessoas e afiliações diversas que já se cristalizaram na imagem que temos de nós mesmos. É mudar um pedaço de você, por isso dói e incomoda. E é exatamente por isso que se faz tão necessário. Mudar é inevitável. Lutar contra o inevitável costuma ser uma das nossas maiores distrações. Mudança é movimento. Movimento é uma das poucas coisas que podemos dizer que é universal, talvez algo próximo de uma verdade. Tudo se move, desde as estrelas mais brilhantes em suas órbitas até as células invisíveis para nós em seu silêncio de ser.
E mesmo a percepção de tudo que se move é inevitavelmente fruto de um processo subjetivo do nosso olhar observador...
- Por Ivan de Aragão
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