top of page
  • Black Facebook Icon
  • Black Instagram Icon

Raízes da Criminalização da Maconha e Seus Efeitos Sociais

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 12 de mai. de 2020
  • 8 min de leitura

Em 1830, o Brasil tornava-se o primeiro país em todo o mundo a criminalizar a maconha, ou a na época chamada “pito de pango”. Porém, o que levou o país a tal ato¿ Vale aqui ressaltar que a maconha, ou cânhamo, já foi uma matéria prima importantíssima na Europa durante o período renascentista. Inclusive, foi de cânhamo que Gutenberg produziu as primeiras 135 páginas da Bíblia impressa. Isso não convence da importância¿ Que tal então pensarmos que velas feitas de cânhamo trouxeram Pedro Álvares Cabral ao Brasil dos índios¿ É necessário então que analisemos cuidadosamente como a planta passou de importante matéria-prima a produto criminalizado.


A lei pioneira mundialmente e criada pela Câmara do Rio de Janeiro proibia “pito de pango” como um ato fruto do mais puro racismo. Maconha era usada principalmente por negros, pois era parte de rituais de origem africana e da própria religião do candomblé. Assim, a proibição da maconha era uma forma de controle social exercida pelo governo.


É necessário entender que esse pensamento é originário da psiquiatria lombrosiana. Lombroso vai além de seu papel como psiquiatra e cria a Escola Positiva, juntamente a Enrico Ferri e Raffaele Garofalo, cuja principal característica é a inauguração de uma fase científica da criminologia (2). A teoria do “homem delinquente” marcou seu trabalho no campo criminológico. E foi muito longe, marcando profundamente o próprio campo, o que a fez ser bastante conhecida. Mas o que exatamente ela quer dizer¿ Após visitar várias prisões europeias, analisar milhares de criminosos, além de centenas autópsias, Lombroso conclui que existem condições físicas que contribuem para que um indivíduo seja criminoso. Porém, se pensarmos que havia, como há até hoje, uma sociedade extremamente racista, entenderemos facilmente que sua teoria é nada menos que a fórmula perfeita para justificar a visão do negro como criminoso. E de fato, para muitos, justificou. A visão lombrosiana serviu para criminalizar não só o negro como pessoa, mas a sua cultura, religião e costumes. Com isso, criminaliza-se também o fumo de maconha, hábito trazido pelos africanos escravizados. Na época inclusive também era entendida como “fumo de Angola”. Assim, é claro que a história da criminalização da maconha no Brasil é coberta de preconceito de raça, pois já que vinha de pessoas tidas como criminosas pelas suas características físicas, quem a fumasse estaria propício a atividades foras da legalidade como tais.


Agora que já foram esclarecidas as raízes de nossa criminalização, é preciso entender o grande papel do Brasil na criminalização mundial. Em 1915, o médico Rodrigues Dória, apresentou-se no Segundo Congresso Científico Pan-Americano. Nessa ocasião, aponta a maconha como produto trazido pelos negros escravizados com o intuito de vingarem-se contra os brancos “civilizados” por terem lhes arrancado de suas terras para servi-los em escravidão (3). Em um de seus escritos, ele discorre seu pensamento preconceituoso e etnocêntrico, atacando as religiões de origem africana: “Nos ‘candomblés’ – festas religiosas dos africanos, ou dos pretos crioulos, deles descendentes, e que lhes herdaram os costumes e a fé – é empregada para produzir alucinações e excitar os movimentos nas danças selvagens dessas reuniões barulhentas”. É visto que, além de atacar o uso da droga sem nenhum embasamento científico, também critica práticas religiosas. É importante ressaltar que a Umbanda teve que retirar o uso da maconha de suas práticas, adequando-se à sociedade racista e se vendo obrigada a modificar seus costumes. Um ataque direto às religiões de matrizes africanas já que a planta foi criminalizada por ser um costume das mesmas, e tem a necessidade de excluí-la por ser criminalizada.


Voltando ao campo da proibição internacional, na II Conferência Internacional do Ópio em 1925, o delegado brasileiro Dr. Pernambuco afirma para as delegações de 45 países que “a maconha é mais perigosa que o ópio”. Essa frase é extremamente problemática, pois não esbanja de nenhum respaldo científico. Vamos então entender um pouco mais sobre o dano de ambos.


O ópio é mascado, inalado, bebido como chá ou tomado como comprimido. Seus efeitos duram de três a quatro horas e são caracterizados por “um estado de calmaria onde realidade e sonho se misturam”, além de funcionar como analgésico e hipnótico, enfraquecer o sistema de defesa do corpo, combater a tosse e comprometer negativamente a inteligência (4). O dependente é tipicamente magro, fica com a cor mais amarelada e é menos resistente a infecções. Alguns dos sintomas físicos são náuseas, vômitos, ansiedade, tonturas e falta de ar. Ele provoca alta dependência no organismo, podendo levar até mesmo à morte pela sua falta. A crise de abstinência começa a partir de doze horas e pode vir em forma de bocejo, diarreias, vômito, tremores, câimbras abdominais, suores, falta de apetite etc. (5)


Falemos agora da maconha. Seu uso mais comum é através do fumo, apesar de bolos, brownies, e outros tipos de consumo estarem inovando no mercado. Alguns de seus efeitos são: olhos avermelhados, confusão mental, aumento do apetite e da frequência cardíaca, redução da memória e da capacidade motora, exacerbação de sintomas psicóticos existentes etc (6). Porém, aqueles que a utilizam também podem apresentar sensações mais positivas como euforia, sensação de prazer, diminuição de ansiedade, relaxamento e aumento da sociabilidade (9). A substância pode ocasionar doenças crônicas, geralmente associada ao uso de forma precoce e por longo período. São elas alterações cognitivas, bronquite, câncer de pulmão, esquizofrenia ou psicose em indivíduos vulneráveis e síndrome amotivacional (6). Em relação à dependência, ela pode sim vir a existir, porém não será apresentada por todos os indivíduos. Na verdade, apenas 10% de todos os usuários se tornarão dependentes (9). Sintomas dela serão agitação, inquietude, estresse, insônia, câimbras e náuseas (6).


Tudo isso afirmo com dados atuais e dos quais nem todos eram conhecidos, assim não poderiam ser postas em pauta para comparação de forma coerente na época da conferência. Além de infundado cientificamente, pois as sequelas do ópio são mais severas em período mais curto, é ato de má fé. Por fim, é válido mencionar que a fala do Dr. Pernambuco não dizia respeito às drogas propostas em debate, visto que a maconha nem sequer estava incluída nas drogas que a conferência queria combater na I e na II Conferência Internacional do Ópio (ópio, morfina, cocaína e seus derivados). Faz-se óbvia então a influência brasileira na criminalização da maconha mundialmente.


Tratemos então da evolução da criminalização. Em 1932, o Decreto 2930 diferencia o traficante do usuário, penalizando ambos. Já em 1968, o Decreto-Lei 385 e a alteração do artigo 281 do Código Penal possibilitam que o traficante e o usuário sejam equiparados perante a lei, tendo assim a mesma punição. Em 1971, as coisas pioram ainda mais. A lei 5726 foi editada, permitindo que houvesse denúncia sem a posse da substância, ou seja, prova. Ainda, mantendo a equiparação entre traficante e usuário. Foi em 1976, com a lei 6368, que finalmente distinguiram-se. Porém, foi apenas em 2006, através da lei 1143, que a prisão do usuário, incluindo aqueles com pequena plantação para uso próprio, tornou-se ilegal.


Entretanto, a chamada popularmente como Lei das Drogas tem um enorme furo. Ela não prevê em quantidade o que é uso e o que é tráfico. Assim, acaba ficando a critério do policial decidir (7). Num país racista e elitista como o Brasil, nada mais imprudente e planejado. O crescimento da população carcerária por tráfico de drogas foi de 8,7% de todos os presos em 2005 para 32,6% em 2017 (8). Com isso, houve também a superlotação do sistema, que já não tinha muito espaço sobrando para dizer o mínimo. Ao invés de escola, abriam-se presídios. Porém, para uma vida na criminalidade não tem escolha que ensine mais. Assim, criminosos saem da cadeia ainda mais perigosos e locais que deveriam servir para reeducar o indivíduo para o convívio em sociedade têm seu papel distorcido. Nos resta então uma séria pergunta: o quanto vale a criminalização da maconha?


Após todos esses anos, milhares de vidas foram perdidas para o tráfico de droga e outros milhares tiveram sua liberdade privada por seu consumo, jogados em cadeias que os ensinaram a matar, roubar e estuprar. Ainda, no que diz respeito a conter o avanço do tráfico, seus efeitos são mínimos. Isso para não dizer nulos, visto que em qualquer esquina se encontra alguém para te vender a substância. Não seria muito mais valioso para o Estado deixar seu preconceito infundado de lado, legalizar a maconha e taxá-la¿ Muito dinheiro seria recebido e poderia ser investido no bem comum da sociedade ou inclusive na fiscalização e conscientização sobre a droga, ações necessárias caso a legalização seja de fato seja concretizada. Indo além, a qualidade do produto oferecido seria de muito melhor qualidade, tendo em mente que na ilegalidade não há nenhum tipo de regulamentação e substâncias tóxicas para o organismo são postas em junção com a maconha para criar volume, sem falar da possibilidade de mofo.


É preciso reconhecer que a maconha é a droga ilícita mais utilizada em todo o mundo. Em comparação a outras, seu consumo só é menor do que o do álcool e do cigarro, ambas legalizadas. Ainda, segundo a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, na Cartilha sobre maconha, cocaína e inalantes, em média 9 a cada 100 brasileiros já usaram maconha pelo menos uma vez na vida (6). Se considerarmos que o Brasil possui 200 milhões de habitantes, podemos considerar que 18 milhões de brasileiros já utilizaram maconha. Na minha opinião, atinjo um momento neste artigo em que se torna óbvio que a criminalização dessa substância não teve fundamento científico no passado e nem o possui agora. Se o tivesse, não seria coerente também criminalizar o álcool e o cigarro¿ Mas, por serem usados comumente, o cigarro agora mesmo popular, não o fazem. Bom, é com tristeza que vos informo a partir de todos os dados aqui mencionados que a maconha é comumente utilizada, mesmo que fora da legalidade. Também com dados te informo que a demonização da maconha é hipócrita, visto que sua taxa de dependência é menor que a do cigarro (32%) e que a do álcool (15%) (10). Além disso, não existem registros de morte por overdose de maconha (11). Não há razão para criminalizá-la que não o preconceito que vem acompanhando a sociedade brasileira há séculos. E mesmo que você antes você não soubesse a razão para tal, foi um prazer compartilhá-lo contigo. Já que, apesar de o negro favelado ser associado ao maconheiro, as raízes racistas foram em parte esquecidas e deixadas apenas no subconsciente dada a difusão da substância na sociedade.


Enfim, quero ressaltar que ninguém aqui está dizendo que maconha faz bem à saúde. Afinal, ela é uma droga e estão inclusive um pouco mais acima nesse texto os diversos efeitos negativos que ela pode trazer ao corpo. Porém, será que é válida a sua criminalização quando drogas muito mais letais e prejudiciais são legalizadas, como álcool e cigarro? Já provamos aqui com argumentos que a ilegalidade não é eficaz e não contém o consumo. Diariamente, o Estado brasileiro perde a guerra às drogas. Acredito que a legalização com campanhas contra seu uso, como é feito com o cigarro, seriam muito mais inteligentes do que a continuação da morte e do descaso que se tem com comunidades vulneráveis ao tráfico. Acredito ainda no poder de escolha, pois ao utilizar maconha o indivíduo faz mal apenas a si mesmo. E ainda que eu pessoalmente não concorde com seu uso por enxergar seus malefícios, da mesma forma não concordo com o álcool e o cigarro, não me vejo em posição de decidir como cada um faz uso de seu corpo de maneira a não deturpar o bem comum.


- Por Celi Mitidieri


Fontes:

1- Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas - www.e-publicacoes.uerj.br


Leituras Recomendadas

Comments


bottom of page