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A Genialidade de Elena Ferrante em “A Amiga Genial”

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 26 de dez. de 2020
  • 4 min de leitura

Uma história de superação, educação, amor e, sobretudo, amizade, contada em quatro livros. Difícil é resumir em poucas palavras (em comparação às 1600 páginas totais) a trajetória de aprendizagem e autoconhecimento ao ler A Amiga Genial. A história das amigas Lenu e Lila, tão cheia de acontecimentos e detalhes, é uma verdadeira obra de arte e retrato de vida. Esse artigo será dedicado a analisar uma mínima parte do que a tetralogia de Elena Ferrante tem a nos oferecer.

A autora secreta: Elena Ferrante esconde até hoje sua real identidade. Para ela, não é importante que o público conheça o autor da obra, uma vez que elas devem ser conhecidas por si mesmas, por isso a autora preza pelo anonimato. O primeiro livro da tetralogia foi publicado em 2011 e em 2016, o jornalista Claudio Gatti fez uma investigação das contas bancárias de uma tradutora da editora responsável pela publicação dos livros e descobriu que Ferrante possa ser Anita Raja, esposa do escritor Domenico Starnone. Nas entrevistas dadas por telefone ou por e-mail, Ferrante nega a suposta descoberta. Teorias supõem que talvez os livros possam ser escritos por um homem, ou um conjunto de pessoas. Seja qual foi a verdade, quem os escreveu soube muito bem traduzir os sentimentos de uma mulher ao longo da vida e uma amizade genuinamente feminina.

Começamos a leitura já sabendo o fim da história. No primeiro capítulo de A Amiga Genial, Lenu, uma senhora de 60 anos, é acordada por um telefonema de Rino, o filho de sua melhor amiga Lila, dizendo que ela desapareceu, sem deixar nenhum rastro. Sumiu com todas as coisas pessoais, fotos e qualquer vestígio que provasse sua existência. Justamente para contrariar esse desejo, Lenu, a narradora, começa um relato da vida das duas amigas em Nápoles, Itália, nos anos 1950. Nesse cenário italiano pós-guerra, também se misturam vários outros personagens e muitas histórias.


A ambientação principal é a do bairro Vomero, na periferia de Nápoles. O foco da narradora é sempre a pobreza e a violência que formam um ambiente de ganância, crime e agiotagem. Os prédios manchados, a escola caindo aos pedaços, as seringas de droga nos canteiros dos jardinsinhos. É assim, que somos apresentados ao real lar das amigas, pela menina que sempre sonhou em sair do lugar maldito e garantir uma vida boa em algum lugar feliz. Mas o que acontece não é isso, e pelo fato de a narradora referir-se ao local sempre como "o bairro", nunca mencionando seu nome, revela-se o verdadeiro sentimento de intimidade. Como em "Lady Bird: A Hora de Voar", filme em que a protagonista reclama intensamente da sua cidade natal Sacramento. Em uma cena, uma sábia freira diz: "Você claramente ama Sacramento. Observar não é o mesmo que amar?". Ao longo do livro, a Lenu madura, percebe que esse ambiente de crime e violência era sua escola, sua fonte de formação e onde começou sua avidez pelo conhecimento, depois de observar as praias de Ishia, Florença, Gênova e tantos outros lugares bonitos. A descrição dos ambientes é minuciosa e abrangente e faz com que imaginemos fielmente o que estamos lendo.


No começo de suas vidas, Lila e Lenu são alunas destaque na escola. Lenu sempre estava em primeiro lugar, até que um dia a professora Oliveiro, descobre que Lila, diferente de todos os outros alunos, já sabe ler e aprendeu sozinha. Daí começa uma eterna amizade, acompanhada de competição e incentivo. As duas viram amigas de brincadeiras, se apoiam, defendem uma a outra e compartilham o sonho de um dia escreverem um livro tão bom quanto "Mulherzinhas", de Luiza May Alcott, que, segundo elas, as tornaria ricas. É possível relacionar a amizade delas com a educação. Apesar da identificação com o gosto pelos estudos, Lenu sempre buscou em Lila um patamar paraultrapassar. Quando as duas acabam a escola primária, só Lenu consegue que a professora convença seus pais a mandá-la para o ginásio, enquanto Lila vai trabalhar com seu pai na sapataria. Entretanto, a genial Lila continua estudando sozinha as lições de latim da amiga, e se torna melhor do que ela. Diante dessa situação, Lenu se esforça como nunca e se torna a melhor aluna da escola, para mostrar seu valor a Lila, o que continuará até formar-se na faculdade, tornar-se escritora de romances e dividir a velhice. As duas tomam rumos diferentes na vida,o casamento e os estudos, mas em vários momentos Lila ousa mostrar sua genialidade nata e superar Lenu, que vai encontrando forças para tornar-se melhor. O resultado disso é um eterno companheirismo nos momentos de miséria e na busca pelo crescimento, na qual o caminho da educação sempre foi prioridade para elas.


Os quatro livros são repletos de acontecimentos contados em capítulos rápidos, quase que ouvindo o dialeto napolitano intrigado. O resultado disso é acompanhar a mudança e o amadurecimento de Elena (Lenu) e sua perspectiva em relação a Lila. Posso dizer que nunca recebi relatos tão reveladores das diferentes fases da vida. Na infância, a vontade de crescer e se tornar mulheres de sucesso, a adolescência e a busca por uma paixão, a vida adulta e a busca por estabilidade, os estudos, a sociedade e a política, um desequilíbrio da cegueira causada por um amor que conforta e que ilude, que alegra e que fere. E, finalmente, a maturidade e a velhice. O olhar verdadeiro sobre a vida, entendendo melhor o passado e aceitando o presente, sem tentar lutar contra o futuro.

A contemporaneidade está repleta de obras inovadoras, cortantes e apaixonantes, mas Elena Ferrante soube voltar aos tempos da primeira modernidade e conquistar com o passado de suas personagens. Alguns dizem que há grandes chances de a tetralogia napolitana se tratar de uma autobiografia, devido à riqueza de detalhes que entretêm demasiadamente os leitores, o que eu concordo. Acompanhar os acontecimentos do mundo: a reconstrução da Europa pós-guerra, o comunismo, as revoltas populares. O aparecimento de tecnologias, a televisão, o computador. O terremoto de 1980, a queda das torres gêmeas, a política italiana e a modernização das cidades. Um relato completo desde as descobertas da infância até a solidão da velhice faz com que reflitamos sobre nós mesmos e entendamos um pouco mais o significado da vida. Sendo um romance ficcional ou não, percebemos que a vida passa como um passar de página. -Por Luísa Monte, amante de literatura e procurando uma companhia para conhecer Nápoles. Foto de Nápoles: José Julio Perlado Lenu e Lila: reprodução da série da HBO “My Brilliant Friend”.

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