Regionalismo de Rosa e Campo Geral
- Pugna!
- 26 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atenção! Aos desafortunados e desatentos, o presente artigo estará repleto de informações acerca da obra “Manuelzão e Miguilim”, mais especificamente, do excerto da obra intitulado “Campo Geral”.
O livro Manuelzão e Miguilim, composto por duas novelas, Campo geral e Uma estória de amor, é apenas um terço do que seria a originária obra chamada de Corpo de baile. Esta se dividiu em três volumes independentes, o já citado Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá e no Pinhém e Noites do sertão.
A novela que será analisada nesse artigo é a Campo Geral, a qual conta a história de “um certo Miguilim”, que vivia com a sua família “morava com a sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, muito longe daqui”, num cenário que se chamava Mutúm, no meio dos Campos Gerais. É retratado ao leitor a visão do mundo de uma criança, que tenta entender o mundo ao seu redor com os fatos que tem a mão, mas pobrezinho, é míope. Com seus brinquedos, seus amigos, os bichos, os adultos e as estórias que inventa o menino Miguilim vive em meio ao caos de uma família patriarcal, ao desgosto aparente do pai por ele e as doenças que lhe constantemente afligem. Na novela ainda é possível observar os dramas e angústias da família média brasileira, que procura reproduzir o modelo familiar patriarcal, com seus preconceitos e vícios.
O autor, falando de uma família específica, a de Miguilim,que é esse misto de afetos e rancores no Mutúm, capta as ameaças e riscos que de certa forma ela vive na sua generalidade, a instituição da família média. O narrador acompanha muito de perto o menino Miguilim, as suas dores, alegrias e descobertas do mundo, por isso ela também é uma novela de formação, de um menino que não só descobre o mundo, mas reage a ele na medida em que sua inocência pueril o permite. Desse modo, o final da novela tem um sentido simbólico-abstrato muito maior do que se faz perceber à primeira lida, o menino Miguilim não é mais míope, nem pueril, sua infância alçou voo, no voo do instante em que voaram seus passarinhos, Miguilim, agora menino-homem tem sua liberdade livre, com a quebra das gaiolas que dedicará parte significativa de sua vida fazendo e com os óculos, cedidos pelo DoutorJosé Lourenço, agora Miguilim vê Mutúm e conclui sem o resquício nem de dúvida, nem dependência que apresenta ao início da obra, o Mutúm era belo e via por si mesmo, agora amadurecido.
“(...) um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas, sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutúm.”
Com foco narrativo onisciente de terceira pessoa, esta história centraliza-se num menino de oito anos e através de sua percepção é que vamos aprendendo, durante a leitura, os detalhes das coisas, os pequenos acontecimentos e os fatos menores, que por muitas vezes são dados muita atenção. Sentimos o susto que sente o garoto, com a crueldade do mundo, o qual parece gostar de judiá-lo.
A ingenuidade e sensibilidade de uma criança, e, na minha opinião a mais fofa de toda a literatura brasileira, cativam em meio a um ambiente tão hostil.
Ao longo do aprendizado, as dimensões das coisas modificam-se por meio de suas vivências, das dualidades que o cercam. Entre a malvadeza do Liovaldo, irmão que morava na cidade, e a pureza e sapiência do Dito; entre a fragilidade da mãe, que sempre o quis tanto bem, e a brutalidade do pai, que com ele ralhava sem motivo aparente, entre o bem e o mal, Miguilim cresce e se desloca de seu lugar.
A saída do Mutúm para a cidade é a mudança fundamental de espaço e tempo que são esquematizados em “Campo Geral”. Da ingenuidade, do sonho, do universo mítico idealizado por um menino de oito anos, Miguilim passa à maturidade, à iniciação intelectual, ao universo urbano, o qual o permite enxergar novas vistas e possibilidades. Se o menino Miguilim abandonará o Sertão e viverá na urbe, ou se após a conclusão de seus estudos voltará ao lugar que lhe fez ser o que é não se sabe, mas se pressente.
“O sertão é sem lugar. O senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera. Sertão, – se diz -, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.”
Excerto de Grande Sertão: Veredas
De Guimarães Rosa
A escrita de João Guimarães Rosa configura uma forma inovadora de não a simples representação, mas a transmissão de sentimento, uma transcendência do escrever, numa mescla do narrado e do poético. A fusão do erudito e do popular, do filosófico com o religioso, o metafísico e a superstição.
Percebe-se uma grande quantidade de referências à cultura popular em suas obras, simpatias, provérbios, culturas, histórias e até a linguagem, característica tão marcante do Guimarães. Há também o emprego de várias técnicas de Guimarães, para gerar o sentimento de afeição entre o leitor e a personagem, tais qual o emprego de diminutivos em: Miguilim, “beijim”, perdizinhas e etc...
Em resumo, João era um homem fantástico, suficientemente bem-quisto para ter um poema do próprio Drummond dedicado em sua homenagem.
“João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?”
Um chamado João – Carlos Drummond de Andrade
Por um nem fabulista, fabuloso, fábula, um simples escritor: Gabriel Tôrres
Referências Bibliográficas
• Manuelzão e Miguilim – João Guimarães Rosa
• https://blogdospoetas.com.br/poemas/um-chamado-joao/
• https://jornal.usp.br/cultura/campo-geral-e-um-caminho-sem-volta-para-o-leitor-de-guimaraes-rosa/
• https://www.objetivo.br/arquivos/folhetos_obras_fuvest_unicamp/obra_fuvest_folheto_campo_geral.pdf
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