Alphonsus de Guimaraens e "Ismália": a melancolia e o misticismo simbolistas
- Pugna!
- 23 de out. de 2020
- 5 min de leitura
"Quando Ismália enlouqueceu, /Pôs-se na torre a sonhar.../ Viu uma lua no céu,/ Viu outra lua no mar." O simbolismo foi uma escola literária caracterizada pela abordagem entre o misterioso e o místico, a preocupação com a essência e a busca pela transcendência, além de ter sido um movimento revolucionário na época, pois o público leitor estava demasiadamente acostumado com a superficialidade e a perfeição parnasianas. Mesmo não havendo muitos representantes brasileiros, os poetas que fazem parte dessa escola se destacam devido a seus poemas sensíveis e honestos. Entre esses, a melancolia de Alphonsus de Guimaraens é memorável. Quer saber um pouco mais sobre esse poeta e seu movimento artístico? É só continuar lendo.
Começo esse artigo respondendo a uma pergunta que eu mesma me fiz, e que imagino que você, leitor, também tenha feito ao ler o título desse texto: "para quê escrever acerca de um poeta cuja história é tão curta e que tem apenas um poema famoso?". A verdade é que escrevo por causa de meu fascínio quanto à reação de meus colegas do segundo ano do ensino médio ao lerem "Ismália". Em uma manhã de terça-feira chuvosa e preguiçosa, eles se apaixonaram tanto por esse poema, que hoje muitos deles conseguem até recitá-lo de cor (como eu). Escrevo isso para, principalmente, refletir sobre esse impacto tão grande. Porém, antes de analisarmos essa obra-prima, vamos à história do poeta.
Afonso Henrique da Costa Guimarães nasceu no dia 24 de julho de 1870 em Ouro Preto, Minas Gerais. Ele cresceu em meio a uma família de comerciantes e economicamente confortável metade portuguesa, metade brasileira. Desse lado de sua árvore genealógica, havia o grande Bernardo Guimarães, escritor de "Escrava Isaura", que era seu tio-avô. Durante toda a sua infância e adolescência, ele alimentou uma paixão enorme e melancólica pela sua própria prima Constança, filha de Bernardo. Contudo, enquanto estudava na Faculdade de Engenharia, Afonso perdeu a prima, de quem estava noivo. Tal acontecimento o abalou para sempre, fazendo com que ele se entregasse à vida boêmia e à poesia. Por pressão dos pais, ele continuou a estudar mesmo assim, mas largou os números pela Faculdade de Direito de São Paulo. Lá, ele conheceu o simbolismo e iniciou seus escritos oficialmente.
Nesse tempo, ele frequentava a famosa Vila Kyrial, um reduto cultural à moda europeia, estabelecida pelo então senador José Freitas do Vale. Na vila, que na verdade era uma enorme chácara, Afonso conheceu vários poetas simbolistas. No entanto, ele só conheceu seu verdadeiro ídolo, Cruz e Souza, em uma viagem ao Rio de Janeiro. Eles logo se tornaram próximos e Souza, de certa forma, o inspirou a publicar seus textos posteriormente.
De volta ao interior de Minas Gerais, Afonso trabalhou como promotor e se casou com Zaneide de Oliveira, com quem teve catorze filhos de 1897 à 1921, ano de sua morte. Eu acredito que ele realmente amava a esposa, porém não era realmente apaixonado por ela, e quando estamos falando sobre o casamento e a formação de uma família grande, acho que esse aspecto é necessário para uma parceria eficiente. Se foi eficiente ou não, nunca saberemos, já que não existem muitos registros sobre a vida pessoal do casal e que há uma enorme certeza de que a musa dos poemas de Afonso sempre foi Constança.
Em 1899, foram publicadas três coletâneas dele: "Septenário das Dores de Nossa
Senhora", "Câmara Ardente" e "Dona Mística", sua maior obra. Um dos sonetos presentes nas coleções é "Hão de chorar por ela os cinamomos":
"Hão de chorar por ela os cinamomos
Murchando as flores ao tombar do dia
Dos laranjais hão de cair os pomos
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria..."
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua que lhe foi mãe carinhosa
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
O poema é claramente uma referência à morte de Constança, que o deixou desamparado e levou todas suas esperanças românticas. A amada é caracterizada como angelical e pura, em um texto repleto de musicalidade e melancolia. Apesar de eu ver a beleza desse soneto como vasta, dói-me perceber que Afonso nunca superou essa paixão platônica e juvenil que o fez ter tantos pensamentos fúnebres e depressivos. Muitos outros poemas do autor comparam a noiva à própria Virgem Maria e, devido a esse exagero, ficam evidentes os aspectos ultrarromânticos tanto da vida quanto da obra dele.
Três anos depois, em 1902, ele passou a trabalhar, além de como promotor, como
jornalista para "A Gazeta" e assumiu o pseudônimo Alphonsus de Guimaraens. Pouco
tempo após isso, publicou "Kyriale", livro que, apesar de não ser sua melhor obra, o deu
fama. Em seguida, tudo começou a ir por água abaixo: ele perdeu todos seus cargos
jurídicos e recusou uma promoção na revista que trabalhava, o que causou gravíssimos problemas financeiros. A única alternativa foi fazer parte de um jornal político que empregava seu irmão e se tornar juiz em Mariana, cidade mineira em que ficou até sua morte.
O que será descrito a seguir pode ser forte para pessoas com problemas de saúde mental, então deixo aqui esse pequeno alerta de gatilho. O maior legado de Alphonsus, "Ismália", revela a angústia e as crises existenciais que ele tinha. Um poema musical, melancólico e suave que demonstra o quanto a busca por nós mesmos e pela transcendência pode ser poética e linda, mas fatal e, no caso de Ismália, precipitada. A jovem, considerada louca, vê, em uma sociedade tão apática, voar como sua única opção de liberdade, mesmo não tendo asas. Vale a pena ressaltar também o grande simbolismo contido nos elementos da história; a torre, por exemplo, representa um estado mental pessimista. Afinal, nos contos de fadas, as princesas trancadas em altos castelos nunca sabem o que é a real felicidade. Porém, ao contrário dessas lendas, Ismália pensa que ninguém irá salvá-la, ela já perdeu todas as esperanças na humanidade: agora só a beleza da lua, símbolo da vida apenas espiritual, a encanta. Sem hesitação, ela pula da torre e encontra o que queria, surpreendentemente
sem se arrepender.
Eu sempre gravito a esse poema, sem entender o porquê de algo tão trágico deixar tanta gente da minha idade fascinada. Talvez seja porque o texto, mesmo não sendo parnasiano, mostra exatamente a essência da beleza poética, talvez seja porque nos identificamos com a desesperança da personagem. Minha única certeza é que o que mais chama atenção nesse poema é a simples verdade nele contida. Finalizo o artigo com ele:
"Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..."
-Por Ana Ferreira da Motta Costa
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