"Apeshit": um protesto sobre a representação dos negros na história da arte
- Pugna!
- 21 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de mai. de 2020

Um casal de negros, o Museu do Louvre e um protesto importantíssimo: em toda a história da arte, qual foi o papel dos negros?
Em 2018, Beyoncé e Jay-Z lançaram o clipe da música “Apeshit”, o qual teve como cenário obras icônicas do acervo do Louvre e trouxe críticas que merecem ser discutidas. O clipe começa com a figura de um anjo negro em oposição aos anjos de pele branca que são representados no teto do museu na composição da obra “Galeria de Apolo”. Essa cena inicia uma das principais discussões de todo o clipe: até que ponto o eurocentrismo e a visão de eugenia por parte dos europeus afetou o meio artístico-cultural? A resposta é clara e objetiva: em grandes proporções.
A relação entre arte e cultura tem ligação direta com o reflexo da sociedade, portanto, durante grande parte da história da arte a dominação da visão europeia resultou na representação do negro como uma figura inferior e na supressão das representações artísticas da cultura negra. Inclusive, por muito tempo vigorou na Academia de Belas Artes a regra de que uma pintura não seria considerada arte, caso tivesse algum negro ocupando uma posição protagonismo. Porém, em pleno século XXI, apesar da desigualdade racial persistir, a luta de combate a essa vem crescendo e as artes, no cenário atual, podem clamar por mudanças com maior facilidade, e é exatamente isso que “Apeshit” faz.
Durante todo o enredo do clipe, as obras retratadas simbolizam questionamentos importantes. Ao apresentar a obra de Jacques-Louis David, A Coroação de Napoleão, enquanto Beyoncé e suas bailarinas dançam em frente a ela, é notória uma metáfora sobre quem agora está na posição de destaque e quem é o verdadeiro rei –ou rainha. Indo além, as bailarinas compõem o significado de diversidade nesse novo “reinado”, já que cada uma representa uma cor, uma etnia, um povo.
Ao longo de todas as cenas, a única peça que aparece em destaque tanto quanto os cantores é a Grande Esfinge de Tânis –um pedaço da África que se faz presente no meio eurocêntrico. No entanto, essa peça egípcia carrega uma polêmica, visto que ela chegou à França como fruto de um saque sofrido pelo Egito no período das invasões napoleônicas. Ou seja, até mesmo o resquício da cultura africana existente no museu, foi vítima de uma supremacia branca e enquadra-se no conceito de apropriação cultural.
Ainda, a exposição do quadro A Jangada da Medusa de Théodore Géricault e o Retrato de uma Negra de Marie-Guillemine Benoist trazem simbologias importantes. O primeiro, é a representação do resultado de um naufrágio de um barco francês que navegava com destino ao Senegal no século XIX. Durante o ocorrido, aqueles que estavam à bordo e eram considerados “pessoas de prestígio” conseguem se salvar usando os botes de emergência, enquanto as pessoas mais pobres tiveram que dividir uma jangada e tentar a sorte. Ao final, aqueles que ficaram na jangada tiveram de lidar com situações extremas de fome, sede e desespero, o que levou muitos a cometerem suicídio e outros a praticarem o canibalismo. Então, a pintura de Théodore traz essa situação e, em particular, ele representa um negro segurando a bandeira de França enquanto clamava por ajuda e por atenção. Já segundo quadro aparece na última cena do vídeo e exprime o início da liberdade negra do período em que a escravidão foi abolida na França e em suas colônias, assim o enredo é finalizado.
Fora das referências das pinturas, a escolha de figurino também carrega muitos significados. Em alguns momentos os artistas aparecem usando roupas que representam a cultura africana e, em outros, ela usa um terno rosa e ele, um verde. A escolha desses ternos remete ao filme senegalês “A Viagem da Hiena”, que conta a história de um casal de senegaleses que desejam ir para a França melhorar de vida. Uma cena marcante desse filme aparece ao final quando dois franceses estão conversando sobre arte africana e falam que ela “não vale nada”, pois são resumidas em “máscaras coloridas sem nenhum significado”.
Resumidamente, em todo o vídeo, Beyoncé e Jay-Z enfatizam que eles agora também são parte do museu assim como todas as representações da “arte branca” expostas e, além disso, se colocam como figuras mais importantes que a Mona Lisa, por exemplo, pois a luta que eles representam deve ser mais enaltecida do que a pintura de uma burguesa sem tantos significados. Dentro desse contexto, eles também criticam o fato de a arte ser interpretada, muitas vezes, apenas como sinônimo das peças expostas em um museu, enquanto, na verdade, o rap que eles cantam também é arte e deve ser visto e valorizado da mesma maneira.
Entāo, a partir dos questionamentos levantados pela obra “Apeshit”, algumas reflexões devem ser feitas: até quando os protagonistas no mundo artístico serão escolhidos por sua cor?
- Por Giulia Santana
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