Banksy: enigmático, controverso e irreverente
- Pugna!
- 27 de mai. de 2020
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Um dos artistas mais famosos internacionalmente. Um artista que ninguém sabe sua real identidade. Um artista que usa a arte como forma de protesto. Um artista que desafia todas as convenções. Um artista bastante interessante e que merece ser discutido. Banksy.
Provavelmente você já teve contato com alguma obra Banksy sem nem saber que era dele, visto que muitas delas viralizaram na internet, mas nem todo mundo atribui a ele por conta de sua identidade desconhecida e dele mesmo não ter interesse em ganhar destaque. Acredita-se que ele nasceu em Bristol, Inglaterra, em 1974 e começou a se interessar por grafite na década de 1980 com o “boom do aerossol” na sua cidade natal. Banksy não é seu nome verdadeiro, mas sim um pseudônimo utilizado como assinatura do misterioso artista. No início das suas produções artísticas -começo dos anos 1990- ele fez parte de um grupo de grafiteiros chamado DryBreadZ Crew e ganhou visibilidade devido a sua maneira de expressão e o teor de protesto e sarcasmo em seus estênceis. Dentre muitas temáticas abordadas por Banksy, de maneira geral, ela trata de temas sociais, políticos e ironiza o mundo das artes. Além disso, uma das primeiras bandeiras levantadas por ele foi o questionamento da diferença entre grafite e vandalismo. (1) Afinal, o grafite ainda é muito marginalizado, enquanto, na verdade, apesar de não estar em um museu, trata-se de uma manifestação artística e é pensada e elaborada com muita dedicação pelo artista. Essa controvérsia pode ser explicada pela associação do grafite à pichação, que são formas de expressões diferentes: enquanto o grafite é uma técnica reconhecida e fonte de renda de muitos grafiteiros, a pichação é considerada crime contra o patrimônio público. Tendo em vista todo esse cenário, Banksy desafia todas as “regras” e faz suas obras em locais públicos famosos sem pedir a autorização de ninguém. Porém, ao invés delas serem tachadas como pichações, são consideras obras primas de alto valor e muitos leiloeiros de arte lutam por elas. Em 2007, por exemplo, sua obra “Bombing Middle England” -Bombardeio no Meio da Inglaterra- foi vendida por £102.000,00. Além dela, a obra “Kissing Coppers” -Policiais de Beijando- foi vendida por $575.000,00 e a “Slave Labor” -Trabalho Escravo- por $1.200.000,00. Essa situação, no entanto, não agrada muito Banksy, já que o objetivo dele não é capitalizar seus feitos, mas sim passar mensagens importantes e questionar o tradicionalismo. Então, como ele adora satirizar tudo a sua volta, em resposta à comercialização de suas obras, ele montou uma venda de obras originais suas no Central Park, cobrando $60,00 por cada uma, apenas com o intuito de mostrar que suas obras não são mercadorias e, sim, protestos. (2) Ou melhor, mostrar que a indústria artística vende obras por valores absurdamente caros e esquecem da essência do que foi retratado, já que a indústria da arte envolve muitos outros artistas.
Agora vamos falar de algumas obras desse “fantasma do grafite” e alguns dos temas que ele já retratou e gerou reflexões. Recentemente, em meio à pandemia do COVID-19, Banksy deixou um desenho no Hospital da Universidade de Southampton, no sul da Inglaterra, em homenagem aos profissionais da saúde. Essa obra teve uma grande visibilidade na internet ao retratar uma criança brincando com uma enfermeira vestida de super-heroína, enquanto tem bonecos do Batman e do Homem-Aranha estavam em uma lixeira. Esse tipo de reconhecimento, principalmente no atual cenário, é de grande importância, até porque a arte, por ser uma forma de estimular a percepção, a sensibilidade e ampliar as nossas maneiras de enxergar o mundo, tem um caráter transformador, logo, tal homenagem também é um incentivo àqueles que estão na linha de frente para ajudar quem foi infectado pelo vírus e um lembrete para todos nós sobre quem são os heróis da vida real, os quais não se restringem a médicos e enfermeiros, mas estão constantemente ao nosso redor e, muitas vezes, não damos o devido valor, enquanto endeusamos personagens fictícios a todo momento.

Outra importante obra do enigmático artista é intitulada “Soldier Throwing Flowers” -Soldado Atirando Flores- e foi feita na Palestina provavelmente em 2005. Nessa pintura, há um cidadão com o rosto coberto segurando um buquê de flores em um movimento como se fosse atirá-lo, dessa forma, a intenção de Banksy era contrastar as flores com um explosivo e gerar uma reflexão sobre a violência que permeia a região da Palestina. A arte é aberta para livre interpretações e essa é uma das características mais legais desse mundo artístico, subjetivo e cheio de possibilidades. Ao meu ver, com essa obra em especial, Banksy nos leva a pensar sobre a maneira mais eficaz de mudarmos nossa realidade e de sermos ouvidos. Será que a violência é a melhor saída? Além disso, pode ser uma provocação ao Estado israelense e suas intervenções extremamente violentas ao povo palestino. (3)

Outrossim, um grafite muito impactante de Banksy é chamado de Napalm Girl - napalm é um conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina, utilizados como armamento militar. Nele existe uma relação entre a Guerra do Vietnã e o posicionamento capitalista dos Estados Unidos no conflito a partir da representação de três figuras de mãos dadas -o Mickey Mouse, o Ronald McDonald e uma menina vietnamita fugindo da guerra que ficou famosa ao ser fotografada por Nick Ut, o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de Fotografia de Notícias Spot e a classificação de Foto de Imprensa Mundial do Ano com a fotografia que aparece essa menininha e outras crianças apavoradas com a situação do Vietnã na época. Bom, a guerra do Vietnã, a qual matou entre 1,5 a 3 milhões de vietnamitas, foi uma das consequências da Guerra Fria e sua bipolarização ideológica. Esse conflito contou com uma forte participação dos Estados Unidos que queriam impedir o crescimento do comunismo na região e tiveram suas atitudes intensamente criticadas por promoverem um verdadeiro massacre contra civis. Então, com essa obra, temos mais uma reflexão proposta pelo grafiteiro misterioso: até onde vai à luta pelo poder? O Estados Unidos é apenas um país da Disneyland e do McDonalds? E a história por trás disso tudo? Nada como uma boa obra de arte para nos lembrar os fatos que às vezes caem na nossa mania de esquecimento.

Falando em Disneyland, Banksy e outros 58 artistas criaram uma parque temático um tanto sombrio, chamado de “Dismaland”, para a exposição de algumas obras um tanto peculiares: orcas assassinas, um açougueiro no meio do carrossel, balsas com imigrantes se afogando, Cinderela morta sendo fotografada por paparazzis, um castelo destruído, entre outras obras e instalações irônicas, melancólicas e provocadoras. Banksy é de fato um gênio do sarcasmo e uma mente satírica incessante. (4) Para melhorar, quando a famosa versão sóbria da Disneyland foi desmontada, os materiais foram enviados para auxiliar na construção de abrigos para refugiados me Calais, na França.


Ademais, a composição “Shop Until You Drop” -Compre Até Cair-, pintada em um 2011 num prédio em Londres, ilustra uma mulher com um carrinho de compras caindo. Pode parecer uma retratação simples, mas sua crítica ao consumismo é evidente. Ele quer nos mostrar que estamos em queda, caindo num poço sem fundo -ou talvez com um fundo mais próximo de que imaginamos- e que é impossível continuarmos vivendo com os padrões de consumo atuais. (5) Também em Londres, em Canden, ele pintou o “Toxic Rat”. A representação de ratos é uma das marcas do artista pois ele sempre os compra aos humanos -se espelham por todos os lugares levando coisas ruins. (6) Para finalizar as obras e análises, gostaria de destacar o estêncil “Steve Jobs” que foi pintado em Calais em um campo de refugiados para lembrar a todo mundo que Steve Jobs, famoso empresário e um dos fundadores da Apple, era filho de um imigrante sírio, Abdulfattah John Jandali. Sobre esse grafite ele declarou “Somos muitas vezes levados a acreditar que a migração drena os recursos de um país, mas Steve Jobs era filho de um imigrante sírio. A Apple é a empresa mais rentável do mundo, paga mais de 7 mil milhões de dólares por ano em impostos e só existe porque autorizaram a entrada a jovem de Homs.”. Existem muitas outras obras deles que merecem ser pesquisadas: “Well Hung Lover”, “Bomb Hugger”, “Think Tank”, “Brexit”, “Sweep It Under The Carpet”, “Thinker” e “Stop and Search”.



Ainda dentro do mundo da arte, Banksy é um entusiasta do universo cinematográfico e dirigiu um documentário, o qual, inclusive, concorreu a várias premiações, como o Oscar. Intitulado “Exit Through the Gift Shop” -Saída Pela Loja de Presentes-, ele conta a história do artista de rua Shepard Fairey e de vários outros artista pioneiros da streetart. Essa obra apresenta-se como um grande estudo sobre o dia-a-dia de grafiteiros e toda essa cultura de “arte de rua”.
Com a sua criatividade e certa acidez em suas colocações, Banksy já se envolveu em várias polêmicas e promoveu situações bem inusitadas -quase uma “trolagem artística”. Em 2003, na sua exposição “Turf War”, ele fez pinturas em animais vivos, como vacas e porcos. Já em 2005, na exposição “Crude Oils”, ele pintou réplicas de grandes artistas e soltou 200 ratos vivos dentro da galeria no dia da inauguração. Além desse fato, ele já trocou 500 CDs da cantora Paris Hilton por cópias adulteradas em lojas de Londres, implantou obras suas em locais de destaques, como um boneco de um prisioneiro de Guantánamo -prisão localizada em Cuba e muito conhecida por torturar seus prisioneiros e impor-lhes trabalhos forçados- no parque da Disney e uma peça fake de uma pintura rupestre -a qual representava um homem rupestre empurrando um carrinho de supermercado- no British Museum. (7) Uma outra pegadinha pregada pelo artista, foi construiu uma moldura que destruiu uma de suas obras, “Girl With Ballon” -Menina Com Balão-, depois dela ter sido leiloada por £1.400.000,00.

Existem várias teorias sobre a real identidade do Banksy. Muitos acham que ele é o músico Robert Del Naja, vocalista da banda Massive Attack, como também o artista plástico Thierry Ghetta, conhecido como Mr. Brainwah. Ou até já cogitaram o fato dele ser, na verdade, um grupo composto por sete pessoas e liderado por uma mulher que aparece no filme que ele produziu. Porém, independente de quem seja, ele conseguiu fazer história através de sua arte e dar voz aos artistas de ruas, assim como a muitas temáticas importantes. Para finalizar, deixo uma citação do próprio Banksy sobre a arte “A arte deve confortar os perturbados e perturbar os conformados.”.
(1) “As pessoas dizem que grafites são feios, irresponsáveis e infantis. Mas isso só acontece se eles forem bem feitos.”
(2) “O grafite é uma das poucas ferramentas que você tem se você não tem quase nada. E, mesmo que você não encontre a cura para a pobreza no mundo, você pode fazer alguém rir enquanto mija nas calças.”
(3) “Os maiores crimes do mundo não são cometidos por pessoas que quebram as regras. São pessoas que seguem ordens e jogam bombas e massacram vilarejos. Como precaução para sempre cometer grandes atos de maldade, é nosso dever solene nunca fazer o que nos dizem; é a única maneira de termos certeza.
(4) “As pessoas me amam ou me odeiam, ou, na verdade, não se importam.”
(5) “Às vezes eu me sinto tão cansado do estado do mundo que eu nem consigo terminar minha segunda torta de maçã.”
(6) “Você pode ganhar a corrida dos ratos, mas você continuará um rato.”
(7) “Se você quer que alguém seja ignorado, construa uma estátua de bronze dela em tamanho real e ponha no meio da cidade…”
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