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"Dubliners", de James Joyce: uma análise sobre as expectativas e as decepções cotidianas

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 21 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

Você já viu um filme sobre um adolescente que foi a um festival para encontrar o crush e acabou se frustrando? E sobre uma aventura infantil que não dá nada certo? Provavelmente já, mas talvez o que você não saiba é que o escritor irlandês James Joyce contava esses tipos de história há muito tempo, especificamente mais de cem anos atrás, e ainda fazia reflexões exímias sobre tais situações. Que tal aprender um pouco sobre esse mestre e seus maiores contos?


Primeiramente, acho essencial discutirmos acerca da vida de Joyce até o lançamento de "Dubliners" para entendermos sua peculiar visão de mundo. James Augustine Aloysius Joyce nasceu no dia 2 de fevereiro de 1882, em Dublin, na Irlanda e era o mais velho de dez filhos. O pai dele, John, era um grande cantor. Porém, devido a seus problemas com o álcool, ele nunca foi capaz de garantir uma estabilidade financeira para sua família. Por isso e em virtude da inteligência bastante notável de James, que se divertia lendo sobre filósofos da Grécia Antiga e aprendendo várias línguas para poder ler obras do mesmo jeito em que foram escritas, John resolveu matriculá-lo num grande colégio interno católico da época, o Clongowes Wood College.


Em 1893, James e seu irmão, Stanislaus, ganharam bolsas para estudar na Belvedere College, um colégio também católico, mas focado em gramática. James foi o melhor aluno da sua sala e tinha sucesso com suas habilidades de liderança e oratória, mas quando se formou do colégio se sentia insatisfeito e pesaroso, pois acreditava que havia perdido fé em sua religião. Ele foi direto para a University College de Dublin, onde estudou línguas e literatura moderna. Nessa época, o desejo dele de se tornar um escritor era evidente: escrevia críticas e análises para jornais da universidade, fazia versos em seus momentos de vulnerabilidade e, talvez o que mais definiu sua carreira, escrevia curtos parágrafos de prosa em sua epifania, palavra que ele descrevia como "os pequenos momentos em que um ser ou objeto tinha sua real verdade revelada".


Após frustrações com a sociedade literária irlandesa, ele decidiu se mudar para Paris com o intuito de estudar medicina. No entanto, ele logo desistiu de tal carreira e voltou para Dublin, em virtude da morte de sua mãe, Mary. Frustrando-se novamente com o mercado de trabalho, ele começou a escrever um livro naturalista, Stephen Hero, que foi rejeitado pelas editoras. A única coisa boa que aconteceu a ele durante essa estada na Irlanda foi seu encontro com Nora Barnacle, que se tornou a parceira, musa e mentora de James.


Juntos, eles se mudaram para Pula, na Croácia, onde James lecionou literatura na Berlitz School. No ano seguinte, eles se mudaram para Trieste, na Itália, e ele finalmente reencontrou Stanislaus, seu irmão mais próximo. Além disso, Giorgio e Lucia, os filhos de Nora e James, nasceram em 1905 e 1907, respectivamente. Mas será que com todos esses eventos, James deu uma pausa em sua carreira como escritor? Não, e sinceramente, isso só aconteceu por causa de uma oferta um tanto desmotivadora.


Em 1904, George William Russell, escritor e editor inglês, ofereceu a James uma libra por cada conto que ele fizesse sobre o cotidiano de irlandeses, que posteriormente seriam publicados na revista The Irish Homestead. Após a publicação de três contos sob o pseudônimo Stephen Dedalus, o editor da revista decidiu que deixaria de publicar as histórias de Joyce, pois as achava inapropriadas para o público. Ainda assim, ele continuou a escrever e a planejar histórias até se mudar para Trieste, onde trabalhou em um banco e passou a sentir repulsa da falta de hospitalidade dos italianos e saudade do calor humano dos irlandeses.


Depois de terminar os contos e de muitas tentativas de publicação, Dubliners finalmente foi lançado em 1914. Nessa obra que misturava o simbolismo e o realismo, Joyce, mesmo tendo uma relação conflitante com sua terra natal, escreveu cada um dos contos com detalhes vívidos, fazendo com que cada palavra e cada detalhe tivessem um significado. Agora, vamos analisar as histórias mais famosas dessa obra.


"The Sisters" ("As Irmãs")

Em 1895, um jovem (não nomeado, como grande parte dos personagens da coletânea) vai jantar com seus tios quando o Velho Cotter revela que o Padre Flynn, mentor e amigo do rapaz, faleceu após seu terceiro derrame. Eles discutem acerca do quanto o padre era uma influência ruim para o menino, que muitas vezes deixou de brincar com outras crianças e de realmente viver e cultivar novas experiências para ficar com o padre. Na mesma noite, ao tentar dormir, o rapaz sonha que o padre tenta lhe confessar algo, mas não consegue.


Na manhã seguinte, o menino visita a casa do defunto e revela que se sente menos triste do que esperava, e que na verdade, tem uma forte sensação de liberdade. Ao escutar a conversa das duas irmãs do padre, o menino percebe que o homem era mentalmente instável e tinha se envolvido em diversos escândalos durante seu tempo na Igreja.


A história claramente reflete a opinião de Joyce sobre o catolicismo e a paralisação da cultura irlandesa. O personagem do padre representa a Igreja e sua paralisação, assim como sua habilidade de paralisar o povo. Como evidência dessa reflexão, temos o fato de que o menino perdeu grande parte de sua infância para passar tempo com o padre e a própria morte do homem, um derrame que resultou na paralisia de seu rosto. Joyce, de maneira sutil, argumenta sobre como as religiões e tradições por vezes nos impedem de ser quem realmente somos e de viver plenamente.


"Araby" ("Arábia")

Um jovem com idade semelhante ao da primeira história se apaixona pela irmã de Mangan, uma menina que mora em seu bairro. Um dia, ela pergunta se ele irá a um bazar temático organizado por uma igreja local, pois ela não poderá estar presente e deseja ter algo que será vendido lá. O menino diz a ela que irá e que dará algum presente para ela.


No entanto, na noite do bazar, o tio dele retorna tarde à casa, e o menino começa a ficar extremamente ansioso. Depois de a tia dele convencer o tio de que ainda dá tempo de ir ao bazar e de que ele devia dar parte de seu dinheiro ao menino, o rapaz finalmente consegue chegar ao local. Porém, ao chegar lá, ele percebe que não tem dinheiro o suficiente para comprar algo para a garota e que o festival já está acabando. A história acaba com o menino chorando de frustração e decepção.


"Araby" é sobre uma jornada em vão e nossas expectativas quanto ao mundo em geral. O rapaz nunca realmente se interessou pela menina, a qual nem era chamada pelo próprio nome em suas reflexões, ou pelo bazar, que era desconhecido por ele até a indagação da garota; o que realmente o interessava era a aventura, a saída da rotina. A ansiedade sofrida por ele é representada por pequenos detalhes no conto: o barulho do relógio, a calma estressante de sua tia e o som das chaves do tio na fechadura. Ademais, toda essa ansiedade acaba sinalizando que o menino se decepcionará, pois tudo que ele ansiava era somente a ida a um bazar católico, que foi idealizada como uma aventura exótica e transformadora.


"Eveline"

A vida de Eveline é completamente normal. Com 19 anos, ela ainda mora na casa onde nasceu com seu pai, que por vezes a violenta verbalmente, mas ela o ama e admira a cidade onde cresceu. No conto, Eveline senta na janela de seu quarto e reflete sobre todos os momentos que passou no bairro e na casa e das pessoas que saíram de sua vida por conta da morte, como sua mãe e seu irmão mais novo, e por outras razões. Ela está prestes a partir num barco para a Argentina com Frank, um marinheiro que prometeu a ela uma vida nova e melhor. No entanto, quando Frank adentra o barco e estende a mão para que Eveline o siga, ela fica paralisada e decide não ir.


A história retrata um tema muito comum na obra de Joyce: a paralisia. Não a física, mas a espiritual. Ao passo que o personagem de Araby procurava a aventura para escapar da rotina com coragem, Eveline tenta escapar da rotina, porém tem medo de enfrentar o completo desconhecido, mesmo que isso signifique ter que continuar a viver com seu pai abusivo. Com cada oração e detalhe, Joyce consegue nos pôr no lugar de Eveline e a entender sua fragilidade e suas decisões.


Dubliners não é a obra mais popular e bem elaborada de James Joyce, mas com certeza é uma ótima forma para começar a explorar o realismo estrangeiro, já que normalmente em aulas de literatura, aprendemos apenas sobre obras brasileiras. Joyce foi o maior escritor da Irlanda e mesmo não sendo exatamente nacionalista, é evidente que ele tinha sentimentos muito fortes quanto à sua terra natal. Outrossim, é interessante parar e refletir sobre nossas expectativas quanto à sociedade, que nos desaponta cada vez mais.


-Por Ana Ferreira da Motta Costa



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