Educação política: entre direita e esquerda, como se posicionar?
- Pugna!
- 8 de ago. de 2020
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A falta de uma educação política mais efetiva em nosso cotidiano faz com que tenhamos uma grande dificuldade de entender o que está por trás de certos conceitos políticos. Pensando também no cenário atual do Brasil, em que temos observado o uso distorcido de conceitos tradicionais a fim de manipular a opinião leiga, é de suma importância termos acesso a informações confiáveis sobre o assunto. Hoje iremos nos deter especificamente às particularidades do que se entende por direita e esquerda, dentro do contexto dos posicionamentos políticos.
Primeiramente, este texto não se dedica a defender ou condenar nenhum dos dois lados do espectro político. Os dois posicionamentos tem argumentos e justificativas próprias para cada uma das suas escolhas em relação ao modo como buscam soluções para as diversas questões que surgem na rotina de um governo (Os únicos posicionamentos que rendem unânime condenação são os extremos de cada um dos lados, como esclareceremos mais adiante). É importante destacar desde já que, apesar do que pensam muitos brasileiros debatedores de política via twitter, os termos “direita” e “esquerda” não são definições milagrosas, capazes de medir a tudo e a todos num piscar de olhos. Existem diversas vertentes em cada um dos dois lados do espectro, com suas particularidades em pontos mais periféricos da trama política. Aqui falaremos de maneira resumida sobre os aspectos gerais que caracterizam cada um dos lados a partir das suas diferenças básicas em relação a temas principais.
A primeira vez que tivemos notícia dos termos direita e esquerda em uso foi durante a Revolução Francesa, por volta de 1789, quando a organização física da assembleia ajudava a separar aqueles que tinham suas diferentes ideias e interesses para o futuro da Revolução. No lado direito ficavam os girondinos, representando uma ala moderada dentre os revolucionários, com ideias liberalistas e próxima da burguesia em ascensão, inclusive com algumas aberturas de diálogo com a nobreza. No lado esquerdo ficavam os jacobinos, republicanos radicais, completamente avessos à monarquia e representantes dos interesses da classe operária. Neste momento alguns já terão notado que a referência à esquerda surge bem antes do próprio Karl Marx (1818 – 1883), fato que nos indica algo: apesar do marxismo estar alinhado com algumas pautas definidoras do que vem a ser esquerda, não necessariamente um político de esquerda é comunista. O comunismo é uma doutrina política e econômica específica, que se encaixa dentro do espectro da esquerda, mas divide espaço com algumas outras orientações e vertentes distintas entre si. (Como um bom exercício, observe a nomenclatura dos partidos políticos de esquerda no Brasil e você verá vários termos referentes ao posicionamento de cada um em relação ao outro, tais como comunismo, socialismo, trabalhismo, etc. Apenas a título de curiosidade, o próprio socialismo em sua história nem sempre foi exclusivamente de esquerda, se levarmos em conta alguns cenários europeus do início do século XX. Isso apenas prova a complexidade do assunto.) Mesmo um partido dito comunista, dentro de uma sociedade democrática ocidental, tem um abismo de diferença separando-o do Comunismo como regime praticado em países como China e Cuba. Diferenças que envolvem principalmente seus interesses e a conduta adotada quando se está no poder. Mas então que critérios são usados para classificar as inclinações políticas? Como nosso espaço é curto, veremos somente um deles.
O posicionamento a respeito das desigualdades sociais.
A visão de mundo da esquerda considera toda desigualdade como um fator construído socialmente, sendo assim, é um aspecto que pode ser transformado. A ênfase esquerdista vai ao encontro do ideal de igualdade social, de combater as diferenças para que todos possam ter as mesmas oportunidades, direitos, deveres e condições de vida em sociedade. É por conta desse entendimento de que a desigualdade é uma coisa passível de ser transformada que a ênfase dos governos de esquerda está em proporcionar meios para gerar desenvolvimento social e econômico conciliado a uma política de redução dessas desigualdades. No Brasil você pode perceber esse princípio se manifestando através dos programas sociais de moradia, de transmissão de renda ou até mesmo de financiamentos e auxílio a empreendedores. Partindo do mesmo princípio de igualdade, todos os movimentos sociais que lutam por igualdade de direitos, igualdade de gênero e inclusão das minorias tem a sua orientação automaticamente mais à esquerda. A tendência inclusiva da esquerda tende a repercutir numa postura mais tolerante e progressista nos assuntos referentes à pauta de costumes. Por isso você vai notar que as pautas como casamento entre pessoas do mesmo sexo, aborto, por exemplo, encontram mais abertura no debate entre a esquerda. Por rejeitarem adotar uma referência de costume para se impor à coletividade, como a adoção de uma perspectiva religiosa específica sobre as demais, tendem a manter o debate no terreno da laicidade, no respeito às liberdades religiosas em seus devidos espaços, sem penalizar aqueles que escolhem outros pontos de vista.
A visão de mundo da direita considera toda desigualdade como um fenômeno natural, inevitável, algo que sempre vai existir na sociedade. E por considerar esse fator como algo impossível de eliminar, a direita volta as suas atenções para um princípio que valoriza muito mais a eficiência no trato com as questões sociais. Livres dessa preocupação com eliminar as desigualdades, focam suas energias no desenvolvimento econômico, em medidas que evitem a interferência excessiva do estado em assuntos econômicos. No entendimento de que cada um tem o seu diferente papel social a desempenhar através da sua classe, podemos observar desde os primórdios do liberalismo, com a ausência da preocupação com reformas sociais, o crescimento econômico e político sempre acompanhado de condições que reforçavam as diferenças. Miséria e situações de extrema pobreza para muitos, contrastando com o extremo luxo e riqueza de poucos, aqueles das classes mais favorecidas. A ideia defendida afirma que priorizando o desenvolvimento econômico, mais cedo ou mais tarde, esse desenvolvimento deverá melhorar de alguma forma a vida das camadas sociais mais pobres. É bastante comum acreditar que com esforço e trabalho é possível ascender socialmente, fazendo com que ideais meritocráticos sejam bem presentes nesse espectro. Uma consequência prática a ser adotada por governos sob essa orientação é a ênfase na manutenção do sistema, incentivo ao ensino técnico em detrimento do superior a fim de abastecer com a mão de obra barata dos jovens as grandes indústrias e setores básicos, daí a enorme diferença no trato com a educação em cada um dos espectros. Se a esquerda valoriza o acesso à educação como forma de redução da desigualdade, a direita prefere uma postura mais tímida, limitando-se à fazer o sistema manter seu curso.
As críticas mais frequentes à esquerda se voltam para essa interferência frequente na economia, em que o estado atua como uma espécie de árbitro para tentar fazer os recursos fluírem mais entre as classes, enquanto a crítica à direita sugere que esse sistema proporciona benefícios a uma elite às custas da exploração de grande parte da população. Nos últimos 30 anos, a política brasileira transitou entre os dois lados, com erros e acertos. Se na década de 1990 um governo mais inclinado à direita pôs fim à inflação galopante dos anos 80, consolidou uma nova moeda com o Plano Real e equilibrou alguns setores da economia, foi nos anos 2000, com governos de esquerda que o poder aquisitivo das classes mais pobres foi acentuado, proporcionando o conforto com o qual a nossa classe média surgiu e se acostumou, confortavelmente entre as novas oportunidades de consumo e as universidades com mais investimentos e vagas para acolher os seus filhos. A classe média, como uma classe de pessoas emergentes na pirâmide social, surgiu como resultado positivo das políticas de esquerda dos anos 2000.
E quanto aos extremos?
Usando o mesmo critério de igualdade e eficiência, é possível compreender as características de cada um dos extremos, na direita e na esquerda. Os dois posicionamentos, quando são extremos, resultam em uma nova conjuntura e findam por compartilhar uma característica, o autoritarismo. A extrema-esquerda é a manifestação exagerada e distorcida dos ideais de esquerda e busca tão desesperadamente a igualdade a ponto de resultar no uso da violência para a manutenção do seu regime. A igualdade é imposta por um estado super fortalecido que se sobrepõe a todos. O nosso mais conhecido exemplo é o regime soviético de Josef Stalin, além do nosso contemporâneo Kim Jong-un, ditador da Coréia do Norte. A extrema-direita, por sua vez, é a manifestação exagerada e distorcida dos ideais de direita e a sua aceitação das desigualdades chega ao cúmulo de julgar os indivíduos não apenas socialmente, mas também biologicamente. O nazismo e o fascismo surgem como doutrinas políticas de extrema-direita. E aqui chegamos num ponto que merece esclarecimentos devido ao enorme burburinho recente no mundo das redes sociais com a fala abestalhada de pessoas que não sabem do que estão falando ou têm intenções desonestas ao manipular informações.
Um governo de extrema-direita, como o de Adolf Hitler e o de Benito Mussolini, está pautado na ideia de que as desigualdades são naturais e mais do que isso, esse tipo de governo tende a se voltar contra as minorias de maneira ainda mais violenta do que a extrema-esquerda. A crença na superioridade inevitável de uma classe social sobre a outra dá lugar à crença na superioridade de uma raça ou de uma nação sobre as outras, produzindo um ímpeto nacionalista, imperialista e intolerante para com as diferenças. Os dois extremos possuem a mesma tendência ao desastre. A extrema-esquerda rejeita qualquer tipo de manifestação religiosa vinculada ao estado, são completamente controladores para com as instituições religiosas no país, limitando a liberdade do indivíduo religioso. A extrema-direita geralmente busca mecanismos de manipulação religiosa como forma de legitimação do poder perante o povo, não sendo raros os casos como no nazismo alemão, onde elementos religiosos sustentam algumas das suas mais desvairadas teses e visões de mundo.
Tanto a extrema-direita quanto a extrema-esquerda são posicionamentos políticos que rejeitam a democracia.
Como escolher um lado?
A forma mais apropriada de escolher um posicionamento entre direita e esquerda é avaliar qual deles se encaixa mais com a sua visão de mundo a respeito das questões sociais e econômicas. Os dois lados produziram resultados diversos nas mais distintas nações do globo. Além de analisar como cada posição política se relaciona com as suas necessidades individuais, é importante analisar qual visão de mundo atende melhor as necessidades do seu país. Temos governos de direita e de esquerda dominando a política de países desenvolvidos e colhendo resultados positivos. Os Estados Unidos, por exemplo, são um grande pólo de governos de direita (com alguns leves flertes de esquerda entre os democratas), enquanto a União Europeia, tradicionalmente, tem seus líderes mais importantes voltados para a esquerda, apoiados por uma sólida tradição filosófica, principalmente alemã, traumatizada com os horrores da Segunda Guerra.
Nos últimos anos, no embalo de grandes movimentos de desinformação, a revolta dos brasileiros para com a corrupção que ronda a nossa política fez com que muitos cedessem a discursos que flertam não com ideias de direita e de esquerda, mas que se apropriam de identidades religiosas como forma de legitimação e apelo entre as massas para a implantação de pautas preocupantes pelo forte teor de aproximação com a extrema-direita. Essa é a causa da larga margem de crítica que o governo atual recebe, não por ser de direita, mas por fazer acenos que se orientam para uma extrema-direita militarizada e velha conhecida desde os tempos da ditadura militar (1964 - 1985). O brasileiro precisa amadurecer a sua percepção política e entender que a corrupção afeta os indivíduos, sem necessariamente invalidar os ideais filosóficos que os orientam. Existem políticos corruptos de direita e de esquerda, não é isso que vai invalidar os ideais de cada um dos lados. Escolha seus candidatos baseado no que eles representam e no resultado coletivo das propostas que eles defendem. Somente quando a educação política der frutos entre nós será possível termos líderes melhores a nos governar. Os governantes refletem os governados, eles também são parte do povo. Se nossos líderes têm sido falhos, a falha está em nossa formação, trata-se de uma falha educacional a ser corrigida aos poucos por cada um de nós. Faça a sua parte, tenha bom senso e seja um cidadão crítico pensante. Até a próxima.
- Por Ivan de Aragão
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