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Emily Brontë e o Morro dos Ventos Uivantes: série irmãs Brontë - parte um

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 13 de nov. de 2020
  • 6 min de leitura

Jane Austen, Clarice Lispector, Virginia Woolf, Cora Coralina. Todas essas artistas têm uma coisa em comum: elas retrataram, através de seus incríveis escritos, o papel e a solidão da mulher na sociedade. Elas também foram criadas em famílias que não tinham a arte como meio de subsistência ou fonte principal de lazer. Em suma, elas foram escritoras solitárias. No entanto, temos provas de que a solidão não é um ingrediente essencial para o talento e o sucesso ao analisarmos a jornada das irmãs Anne, Charlotte e Emily Brontë. Mesmo com estilos e ideais diferentes, as três contribuíram para as obras uma da outra de forma tão significativa, que hoje são vistas como um dos maiores trios literários da história. Nesse primeiro artigo, será analisada a vida e a obra de Emily, a criadora do chocante Morro dos Ventos Uivantes. Se interessou? Vem comigo!

Começo esse artigo com minha clássica sinceridade um tanto ácida: eu não suporto os personagens de Morro dos Ventos Uivantes. Eu entendo sim a razão de Emily ter feito escolhas tão drásticas e dramáticas quanto à personalidade e ao destino dos protagonistas, acho interessante ela ter mostrado a real natureza humana por meio de personagens rudes e selvagens, além de ser memorável o fato de ela ter posto em papel, pela primeira vez na história da literatura vitoriana, um relacionamento tão realista e tóxico. Esse mesmo realismo, tão honesto e cruel, me faz perder a esperança na humanidade. "Mas e daí, não é mesmo? Hoje em dia tudo ao nosso redor nos faz perder esperança"... Bom, leitor, você está certo, mas a partir do momento em que apenas livros te trazem felicidade, é um choque ver que não há um real escape a uma utopia: tudo na ficção é, de certo modo, um reflexo da realidade, mais especificamente da moral humana. Entretanto, talvez tenha sido justamente essa a mensagem que Emily quis me trazer. Vamos ver se a história dela dá validade a essa hipótese.

Emily nasceu no dia 30 de julho de 1818 na vila de Thornton, na Inglaterra. Ela era a segunda mais nova entre seis irmãos, seguida apenas por Anne. Seu pai, Patrick, era um reverendo famoso que, em 1820, foi convidado para ser um curandeiro perpétuo em Hayworth, uma posição com um salário irrecusável. Um ano após a mudança, a mãe das crianças, Maria, morreu de câncer. Tão religiosa quanto o marido, ela era conhecida por ter feito um texto acerca de um tema polêmico, com um título aparentemente escandaloso: "As Vantagens da Pobreza em Questões Religiosas". De qualquer forma, esse discurso, assim como um conto religioso feito por Patrick, nunca foi publicado. A irmã de Maria, Elizabeth, passou a cuidar das crianças, mas foi incapaz de impedir, em 1825, a morte das duas mais velhas, que coincidentemente se chamavam Maria e Elizabeth. Mas, ao contrário do que a população de Hayworth pensava, realmente não havia nada que ela pudesse fazer: a razão das mortes foi um surto de gripe tifoide no colégio interno em que as quatro meninas mais velhas estudavam (ou seja, Charlotte e Emily, mesmo estudando lá, não adoeceram junto às outras). Depois de tanta tragédia, restaram apenas os quatro irmãos mais novos: Charlotte, Branwell, Emily e Anne, os quais eram negligenciados emocionalmente pelo pai em virtude do trabalho árduo que ele escolheu exercer até o fim da vida e das ocupações extras que ele assumiu ao decidir educá-los com Elizabeth. Agora, daremos foco à própria Emily.

Apesar de praticamente ser apenas uma das partes do laço íntimo e carinhoso formado pelos irmãos (quase como as queridas irmãs contadoras de histórias de Little Women), Emily se destacava por ser, entre eles, a mais dócil e pessimista. Qualquer mágoa que ela tivesse era transformada em carinho, fosse com humanos, fosse com gatinhos ou cachorros abandonados. Toda noite, ela se reunia com seus irmãos, especialmente Anne, sua melhor amiga, para inventar histórias acerca de mundos fantasiosos, mágicos e perfeitos, que fazem um contraste irônico com o clima sombrio e tenso dos pântanos presentes nos livros publicados por eles posteriormente. Os heróis e soldados habitantes desses mundos fizeram parte de poemas exímios feitos por Emily, que claramente tinha admiração pelo movimento do romantismo. Um desses curtos textos está exposto abaixo:

"Glad I bloom - and calm I fade

Weeping twilight dews my bed

Mourner, mourner dry thy tears.

Sorrow comes with lengthened years!"


("Que bom que eu floresço - e calma eu desapareço

O crepúsculo choroso orvalha minha cama

Enlutado, enlutado, enxugue suas lágrimas.

A tristeza vem com o prolongamento dos anos! ")


Essa simples estrofe reflete a angústia que Emily sentiu ao longo de sua curta vida. Ela reconhece que o luto e a tristeza são essenciais para o crescimento e que, mesmo em um mundo utópico como o inventado por ela e Anne, é preciso lidar com a dor, e não ignorá-la, para valorizar a vida plenamente. Porém, isso não significa que ela se tornou uma jovem perfeitamente madura e insensível. Muito pelo contrário: a afetividade e sensibilidade dela ficaram cada vez mais aguçadas e frágeis.

Aos 17 anos, ela foi estudar em uma instituição em que Charlotte era professora e conseguiu ficar por somente três meses, pois estava adoecendo seriamente devido à saudade que tinha de casa. Em 1838, ela tentou ser professora em outra cidade, mas não aguentou nem por seis meses. O sentimento de Emily nessas situações é quase indescritível, é algo que nem ela conseguia entender. Todos ao redor dela a viam como uma alma tímida, entretanto livre, e achavam que ela teria experiências aventureiras mundo afora e que transferiria todo esse sentimento de liberdade em seus escritos. Isso não aconteceu. Os traumas sofridos e a responsabilidade afetiva a mantinham em Hayworth com a família, e ela ficava incontrolavelmente parada enquanto os irmãos se desenvolviam intelectualmente. Parada sem fazer nada além de escrever.

Ela tentou sair desse estado estático algumas vezes, como em 1842, ao ir a Bruxelas com Charlotte para aprender línguas estrangeiras. Elas logo voltaram devido à morte da tia Elizabeth, e mesmo que a cidadezinha em que morava tivesse sido cenário de tantas tragédias e motivo de tantas angústias, Emily queria permanecer lá. O pântano selvagem e silencioso a chamava, e acabou a amarrando como uma raiz estranguladora.

E foi assim, que ela permaneceu, sufocada. Somente depois de alguns eventos entre as irmãs (que em especial serão descritos no artigo acerca de Charlotte), que Emily, em 1847, terminou de escrever sua grande obra: O Morro dos Ventos Uivantes. Publicado em conjunto com Agnes Grey, de Anne, e Jane Eyre, de Charlotte, o livro não foi bem recepcionado. Os críticos, assim como eu quando analisei o livro ingenuamente aos 13 anos, disseram que a escrita de Emily era atrapalhada e que os personagens pareciam animais selvagens, quase desumanos. Bom, acho que eles esqueceram de que humanos também são animais, além do fato de que muitos de nós, em todas as épocas da história, fomos (e continuamos a ser) desumanos.

Em um cenário pantanoso, nos é contada a história de Heathcliff, um órfão de Liverpool adotado pelo ricaço Sr. Earnshaw. A princípio, Heathcliff, por ter uma pele mais escura e por ter hábitos diferentes, é esnobado pelos outros filhos de Earnshaw, Hindley e Catherine. Mas Catherine, mesmo muito jovem, logo passa a amá-lo e a ter altas aventuras com ele no pântano. Depois da morte da Sra. Earnshaw, o patriarca começa a dar mais atenção à Heathcliff do que aos outros, o que causa um enorme ciúme em Hindley, que passa a detestar o irmão adotivo ainda mais. Com isso, Earnshaw decide mandar Hindley para uma faculdade longe do pântano.

Após a morte do pai, Hindley herda a residência, ou melhor, o próprio morro dos ventos uivantes, e de volta com a esposa, decide se vingar de Heathcliff. Mesmo obrigado a trabalhar em condições miseráveis, esse continua sendo íntimo de Catherine. Em uma noite, durante uma de suas muitas aventuras, os dois vão à mansão onde residem Edgar e Isabella Linton, jovens esnobes. No entanto, um dos cachorros dos Linton morde Cathy, e ela é forçada a morar na mansão por cinco semanas. Nesse ínterim, ela se aproxima de Edgar e é educada pela mãe dele. A partir daí, Emily nos mostra as consequências da ganância, do ciúme, do alcoolismo e do relacionamento amoroso tóxico que se inicia entre Catherine e Heathcliff. Ocorrências como a morte, a violência e a busca por vingança são recorrentes até a última página do livro.

É evidente a razão pela qual os críticos odiaram a obra: ela mostrou o pior lado da natureza humana com crueldade e objetividade sem floreios, fazendo um paralelismo perfeito entre o cenário onde vivia e a essência dos personagens. Portanto, não é à toa que hoje em dia a obra é considerada uma das melhores da literatura mundial.

Emily, em suma, se deixou ser tomada por algo rancoroso, porém tirou disso um trabalho perfeito e verdadeiro. A raiz estranguladora pode ter deixado-a ainda mais viva por dentro. No ano seguinte, em dezembro de 1848, ela morreu de tuberculose, deixando para trás a perfeição de seu livro e de seus poemas, além de inspiração para Charlotte, que ficaria sozinha após a morte de todos os seus familiares durante um intervalo de tempo de seis meses.

Emily não é, de forma alguma, o tipo de mulher que imaginamos quando usamos o termo "mulher forte": ela se contentou com o que tinha em silêncio, mas também teve coragem o bastante para falar a verdade em seus escritos, que juntos parecem um suspiro contínuo. Emily Brontë é sim um exemplo de força e de resistência.


-Por Ana Ferreira da Motta Costa

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