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Empatia (ou a falta dela) e Quantificação da Vida

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 14 de mai. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 16 de mai. de 2020


Quanto vale uma vida? Provavelmente você responderia algo como “não é possível atribuir um valor à vida” e eu concordo com tal posicionamento, mas, no dia a dia, é realmente assim que encaramos a vida? Talvez a nossa e a daqueles que são próximos a nós sejam mais valorizadas, no entanto, e aqueles “números” de mortes que aparecem no jornal diariamente e muitas vezes não nos causam empatia alguma, pois são apenas “números”? São de fato apenas “dados estatísticos”? E as famílias, sonhos e histórias por trás de tais “dado estatísticos”? Um tanto contraditório… O discurso inicial era sobre a impossibilidade de quantificar a vida, mas, na realidade, é notório que todos os dias muitas vidas são reduzidas a números que já não causam nenhum impacto. Vamos refletir?


Empatia é uma palavra um tanto famosa atualmente e que carrega um significado muito bonito: é a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa. Uma atitude empática carrega uma enorme profundidade. É sair da sua zona de conforto para compreender as angústias e desafios dos outros. É deixar o egoísmo de lado e perceber que não somos o centro do mundo. Mas, apesar de ser uma palavra tão utilizada, é pouco praticada. A princípio porque muitos não entendem seu real significado, mas também porque as pessoas têm se perdido dentro de suas próprias individualidades, as relações interpessoais estão cada vez mais fracas e algumas situações que deveriam ser vistas como absurdas, tornaram-se normais.


Chega a ser desumano se pensarmos que, falando de maneira geral, ver um morador de rua não causa preocupação, saber que existem milhões de pessoas passando fome não causa indignação, saber que um vírus matou mais de 10.000 brasileiros não causa espanto. Inicialmente até pode provocar algum tipo de incômodo, mas logo cai no esquecimento. Nós normalizamos. É mais cômodo assim.


Na universidade estadunidense Penn State, foi realizado um experimento sobre empatia e os cientistas concluíram que uma das motivações para a falta desse sentimento é que as pessoas não querem se esforçar para senti-lo. A equipe de pesquisadores testou a influência dos esforços mentais dos participantes no bloqueio da sensação de empatia. Durante vários testes, os cientistas usaram dois baralhos de cartas que continham fotos de crianças refugiadas sofrendo. Para um deles, os participantes tinham que descrever as características físicas das crianças e, para o outro, eles tinham que tentar sentir o que elas estavam sentindo. No teste, os participantes poderiam escolher livremente o grupo de cartas que iriam selecionar. Como resultado, a maioria -75%- optou por não tentar se colocar no lugar das crianças e escolheu apenas a descrição das fotos. Além disso, os pesquisadores trocaram as cartas por fotos de outras pessoas -tristes e sorridentes. Porém, mesmo com cartas de pessoas felizes, o resultado foi o mesmo: as pessoas preferiam evitar o processo de empatia, mesmo quando o sentimento era de alegria. Analisando esse estudo, é possível perceber um traço marcante da personalidade humana que nos afasta da empatia: o medo de enfrentar situações ruins e de sair da zona de conforto. Com isso, entramos num ciclo vicioso -e um tanto egoísta- de normalizar situações absurdas.


Além disso, podemos trazer Bauman e sua visão de liquidez na sociedade para essa discussão. Segundo o sociólogo, vivemos em uma modernidade líquida, ou seja, nossas relações, objetivos, gostos, entre outros, são efêmeros, fluidos e de certa maneira instáveis. Principalmente em sua obra Amor Líquido ele traz a reflexão sobre a liquidez em nossas relações interpessoais, na qual ele observa que, com o passar do tempo, elas foram tonando-se mais fracas, mais distantes. O que não deixa de ser uma grande verdade. Analisando de maneira geral nós podemos perceber essa falta de laços firmes na sociedade, o que, consequentemente, influencia diretamente a perda de empatia nas pessoas. Sem a proximidade não existe a compreensão. Sem a compreensão não existe empatia. Sem a empatia mortes continuarão reduzidas a números. Vidas continuarão reduzidas a dados estatísticos.


No dia 7 de maio (quarta-feira), o apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, proferiu um discurso impactante e de extrema importância a ser refletido. Diante da pandemia que vivemos, a cada dia que passa os números de mortos aumentam, mas a conscientização das pessoas reduz. Estamos nos acostumando a ver números crescendo e parando de entender que são pessoas morrendo, famílias se desestabilizando. Ele disse: “Você já nem deve lembrar, mas, na quinta passada, eram 5.901 mortos. Os números vão aumentando desse jeito, cada vez mais rápido, vão dando saltos, e todo mundo vai se acostumando porque são números. Um número de mortes, de repente, num desastre, sempre assusta. As pessoas levam um baque. Morreram mais de 250 pessoas em Brumadinho. É uma tragédia. Nos Estados Unidos, em 2001, morreram quase 3 mil nos atentados do 11 de setembro, assim, de repente. Quando as mortes vão se acumulando, ao longo de dias e de semanas, como acontece agora na pandemia, esse baque se dilui e as pessoas vão perdendo a noção do que seja isso. 8 mil vidas acabaram. Eram vidas de pessoas amadas por outras pessoas, pais, filhos, irmãos, amigos, conhecidos. Hoje, são 8500. Amanhã, a gente não sabe. Quando é assim, o baque só acontece quando quem morre é um parente, um amigo, um vizinho ou uma pessoa famosa.”. Devemos pensar um pouco sobre isso. Estamos nos perdendo em meio à vida acelerada, à nossa modernidade líquida. Além disso, sobre o que o jornalista falou em relação a tragédias súbitas, como Brumadinho, realmente temos a tendência de ficarmos mais impactados. No entanto, o brasileiro de a “mania do esquecimento”, ou seja, enquanto os problemas estão sendo televisionados, estamos comentando sobre os acontecidos, porém, uma semana depois, nem lembramos que aconteceu. Falta, sim, empatia.


-Por Giulia Santana

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