Expressão artística e movimento LGBTQ+
- Pugna!
- 24 de jun. de 2020
- 6 min de leitura

Como diversas vezes foi levando pelas postagens do Pugna, a arte apresenta-se como um canal de infinitas possibilidades. Arte é reflexão, protesto, sentimento, verdade, caos e imensidão. Imensidão é um adjetivo que é usado para caracterizar aquilo que não se pode medir porque é vasto, é infinito. A arte é um leque de possibilidades. A arte é necessária. Eu não sei exatamente os sentimentos que estão sendo aflorados do outro lado da tela enquanto você lê isso porque toda essa subjetividade é complicada de ser expressada e a relação de cada um com a arte é muito particular. Digo isso como alguém que é entusiasta da arte das palavras, mas um fiasco em qualquer trabalho de artes plásticas, por exemplo. Digo isso como alguém que já se questionou várias vezes “Por que ter aula de Artes?” ou “Por que todo professor de Artes insiste em nos perguntar como nós definiríamos o conceito de arte?”. Digo isso como alguém que entendeu a necessidade de respirar arte. Inevitavelmente todos nós entramos em contato com arte diariamente. E, sem perceber, a arte muitas vezes é nosso porto seguro: aquela música que você escutar para relaxar, aquela série que te faz rir até você esquecer do mundo, o seu filme favorito que te faz chorar toda vez que assiste, aquele livro que marcou sua vida e até aquela toalhinha bordada que sua avó fez para você na sua infância. A arte é um verdadeiro refúgio e, se você ainda não percebeu a grandiosidade dela, eu sugiro uma boa reflexão sobre isso.
Todo esse relato e devaneios pessoais foram para introduzir o tema desse artigo: a arte e a luta por direitos da comunidade LGBTQ+. Como foi citado anteriormente, a arte é uma arma muito poderosa para quebrar paradigmas, além de ser uma ótima válvula de escape. Então, ao logo de muitos anos, ela foi -e ainda é- o combustível de muitos daqueles que buscam simplesmente o respeito para amar quem quiser. É desumano pensarmos que existem pessoa que são marginalizadas, ofendidas ou até mortas devido a sua orientação sexual. Para que a voz do respeito se sobressaia diante de tanto preconceito, a arte com certeza é um ótimo caminho.
Para iniciar essa conversa, eu me sinto na obrigação de citar, dentre tantos artistas incríveis do mundo da música, os responsáveis por me instigar a questionar certas colocações preconceituosas que eu ouvia dos outros, mas não entendia direito do que se tratava todo aquele ódio. Cássia Eller. Cazuza. Ana Carolina. Renato Russo. Quando criança eu escutava “Gatas Extraordinárias” na voz de Cássia Eller junto com a minha mãe e eu não entendia muito bem a letra até minha mãe me explicou que Cássia era lésbica, foi casada com uma mulher e chegou a adotar um menino. Cazuza sempre dispensou apresentações e foi o exemplo de coragem no meio musical -além de se assumir gay, encarou muito preconceito ao assumir, em plenos anos 80, ter sido infectado pelo vírus HIV. Ana Carolina, dona de uma voz absurdamente ímpar e referência da MPB, me chocava toda vez que eu escutava sua música “Eu Comi a Madona”. Renato Russo mais do que poeta do rock nacional com letras repletas de críticas e verdade era um dos considerados “corajosos” por assumir ser bissexual nos anos 80. Eles transformaram minha maneira de ver o mundo através das suas músicas. Eles lutaram por direitos da forma mais linda que existe, através da música, da arte. A cada nova letra de protesto que eu escutava, mais eu me questionava o absurdo que é a homofobia. Com isso, eu espero que vocês entendam a tamanha importância desses músicos -assim como tantos outros. Eles, acima de tudo, levantaram a bandeira do amor e, através da arte, mostraram que não há nada de errado em amar -independente de etnia, religião e sexualidade. O engraçado é que esse deveria ser o tal “padrão”. O respeito deve ser o “padrão”. O amor dever ser o “padrão”. E, graças a esses grandes nomes, essas grandes vozes, muitas pessoas, independe de fazerem parte da comunidade LGBT, entendem a importância da busca incessante pelo fim dos preconceitos. Mas, vale lembrar que ainda há muita luta a ser travada e muitos outros movimentos artísticos a serem citados.
Dentro desse campo da “arte da diversidade”, existem duas fundações que exercem trabalhos fascinantes de debates relacionados ao movimento LGBTQ+ utilizando a arte: o coletivo “Nosso Corpo, Nossa Arte” e da ONG Somos. O coletivo citado tem sede no Rio Grande do Sul e utiliza arte para falar sobre questões direcionadas a gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Como reportado em entrevista ao Serra Nossa, Bernardo, presidente do coletivo explicou: “O choque é vital, é o que leva à reflexão”. O maior objetivo das obras é a fixação do "não preconceito", a reflexão do próprio pensamento, como combate à homo e à transfobia latentes no Brasil e mundo. “Queremos mostrar que a nossa vida é muito mais colorida do que dolorida”, observa. Além dessa organização, a ONG Somos utiliza a arte com instrumento de conscientização na luta contra a aids e do movimento LGBTQ+ no geral. Sandro Ka, diretor financeiro e responsável pelas iniciativas de comunicação e cultura afirmou: “Estratégias que lidam pelas vias do sensível são extremamente importantes para a quebra de paradigmas e essenciais para acabarmos com o preconceito. Percebemos, por exemplo, que um espetáculo sobre travestilidade é muito mais potente e se faz ouvir muito mais do que um discurso político propriamente dito ou um material informativo”. Diante desses projetos e desses depoimentos, o grande valor de transformação agregado à arte fica cada vez mais evidente.
Para trazer mais referências a essa discussão, é impossível não citar nomes como Frida Kahlo, Nancy Cárdenas, Ifti Nasim, Ney Matogrosso e Laerte que são artistas incríveis e cujos trabalhados foram fundamentais na luta por direitos da comunidade LGBTQ+.
Frida Kahlo: pintora, mexicana e assumidamente bissexual. Frida ao longo de sua vida usou a arte para abordar temas que eram considerados tabus, como a sexualidade.
Nancy Cárdenas: escritora e diretora de peças também mexicana que tinha muitos de seus trabalhos baseados em sua identidade lésbica. Ela foi uma das percursoras do movimento de igualdade de direitos a todos independente da sexualidade.
Ifti Nasim: poeta, paquistanês e gay que foi muito perseguido por conta de sua sexualidade a ponto de precisar deixar seu país de origem. Sua coleção de poemas, Narman, é considerado o primeiro livro com a temática homossexual escrito e publicado em urdu. Além disso, ele fundou uma organização de apoio à comunidade LGBTQ+ nos países do sul da Ásia.
Ney Matogrosso: cantor, compositor, dançarino, ator e diretor brasileiro que é uma referência internacional. Nem revolucionou o seu ciclo musical nos anos 70 com um conceito de performances que abusavam da maquiagem, figurino e composição cênica. Devido a sua homossexualidade, teve uma infamai e adolescência solitárias, então, através da música, ele decidiu acabar com essa situação e lutar para que mais pessoas não fossem deixadas de lado por conta de sua orientação sexual.
Laerte: cartunista transgênero da Folha de São Paulo e uma grande referência nas questões de gênero do Brasil. Laerte sofreu muito preconceito durante sua transição de gênero, mas seguiu em frente e não desistiu de buscar a felicidade dentro do seu próprio corpo. Por meio de seus cartuns, Laerte dá voz a diversas críticas sociais e não deixa de destacar as questões de gênero e sexualidade.
Conheçam os trabalhos dos artistas que foram citados, valorizem essa luta e nunca esqueçam de realizar uma desconstrução pessoal. Muitos desses artistas transformaram suas dores fruto de muito preconceito em arte, mas, muitos outros, não tiveram a oportunidade de contar suas histórias porque, no Brasil e no mundo, a transfobia e a homofobia matam. Pensamentos como “é falta de Deus”, “é má influência para meu filho”, “não aceito que meu filho seja gay”, entre vários outros insultos -até piores- não devem ser aceitados. O amor e o respeito devem prevalecer. Além da arte ser uma ótima forma de representatividade e mudanças, devemos fazer a nossa parte e não deixar essas questões de lado.
Antes de propriamente encerrar esse artigo, gostaria de dizer que eu não estou no meu lugar de fala e não pretendo que minha voz e meus pontos de vista cubram os posicionamentos daqueles que de fato são parte do movimento e sabem na pele o que é não ser aceito devido a sua opção sexual. Esse artigo tem como finalidade instigar uma reflexão sobre o poder da arte e ampliar a visão de quem está lendo em relação ao movimento LGBT. Dessa forma, espero que todas essas palavras sirvam de ponte para o esclarecimento.
-Por Giulia Santana
Fontes:
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/laerte-heroina-trans-ou-homem-vestido-de-mulher/ https://serranossa.com.br/noticia/camarote/75356/a-arte-da-diversidade
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