Heranças Escravocratas: Sergipe e Comunidades Quilombolas
- Pugna!
- 6 de jul. de 2020
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Atualizado: 6 de jul. de 2020
Durante o infeliz tempo da escravidão, nasceram os quilombos como locais de fuga e resistência por parte dos escravos. Mesmo com o fim da era escravocrata, as comunidades quilombolas ainda existem em todo o país como herança. De acordo com a Fundação Cultural Palmares, 3.524 comunidades ainda existem hoje em dia (1). Nelas, há riqueza em cultura e história, mas geralmente não é acompanhada de poder monetário, tão essencial na sociedade capitalista em que vivemos. Na visão de extrativistas, a terra vale muito mais como fonte de renda própria, seja na mineração, na produção de carne, na retirada de madeira, ou em qualquer outra atividade. As indústrias atacam essas terras no objetivo de tomá-las. Assim, permanecem em constante risco (2). Porém, esses posicionamentos não são o foco desse texto, apesar de necessários para que entendamos ao menos minimamente o que significa uma comunidade quilombola, a importância de sua preservação e os desafios que enfrentam. Na verdade, o assunto a ser tratado nesse texto é a presença de tais comunidades no meu (ou nosso) estado, Sergipe. Mocambo, Maloca, Mussuca, Ladeiras, Brejão dos Negros, Lagoa dos Campinhos, Cantagalo, Pirangy, Terradura e Coqueiral, Bongue, Caraíbas, para mencionar algumas (3). Aqui, trataremos das três primeiras dessa lista tendo como base a reportagem Giro Sergipe feita pela TV Sergipe (4).
Mocambo, em Porto da Folha, foi a primeira comunidade quilombola a ser reconhecida e titulada pelo INCRA em Sergipe há 20 anos. As 200 famílias que nela vivem carregam consigo costumes, histórias de resistência e autonomia, religião e cultura. Unidos, escravos fugidos, pretos livres e libertos, além de alguns indígenas da tribo Xocó, fizeram dessa terra um lar há muitas décadas, mas não tantas assim para que os danos causados pela escravidão tenham sido mitigados (4).

Comunidade Mocambo, em Porto da Folha — Foto: TV Sergipe
Maloca, nome que vem de casa comunitária ancestral, é uma comunidade urbana localizada em Aracaju, a segunda a ser certificada pela Fundação Cultural Palmares. Seu surgimento se deu no início do século XX por membros saídos dos antigos engenhos. Alguns dos trabalhos mais frequentes eram os de empregadas domésticas e o comércio (4). Após uma demora de 9 anos para o reconhecimento estatal de seus limites territoriais pelo INCRA, a comunidade composta por 91 famílias pôde finalmente comemorar em 2017 a sua demarcação e garantir seus direitos à terra (5).

Comunidade Maloca - Foto: http://www.jornaldodiase.com.br/noticias_ler.php?id=8687
Por fim, conheçamos Mussuca, a maior comunidade quilombola do estado, localizada no município de Laranjeiras, com cerca de 3000 habitantes. Reconhecida como comunidade quilombola em 2003, seus moradores a consideram símbolo de resistência na luta preta, fazendo questão de perpetuar na geração mais nova as histórias de seus antepassados. Até alguns anos atrás, a maior fonte de subsistência eram os canaviais como herança da escravidão, porém com o passar do tempo tornou-se a pesca. Em grandes festas tradicionais, comemoram dias importantes como a Consciência Negra. Assim, perpetuam sua história num ato constante de lembrança.

Comunidade Mussuca - Foto: https://www.lugaresdememoria.com.br/2018/08/mussuca-tradicao-e-resistencia-em.html
É essencial que reconheçamos a importância das 32 comunidades quilombolas presentes em Sergipe. E justamente por esse reconhecimento, cobremos do Estado projetos que auxiliem em seu desenvolvimento como forma de reparação histórica. Afinal, elas não existiriam se não houvesse um sistema escravocrata do Brasil. Se a responsabilidade não é do Estado, de quem seria¿ É obrigação nossa sermos melhor que a geração passada e corrigirmos, ou ao menos amenizarmos, seus graves erros. Ao invés disso, o que se vê é a alta negligência estatal, comandada por um presidente que afirma: “quilombola não serve nem para procriar” (6). Não é à toa que o reconhecimento dessas comunidades tenha caído mais de 90% em seu governo (7). Infelizmente, terra ainda é privilégio branco. Esquecer, deixar de lado ou tentar apagar essa realidade é negar a própria escravidão e seus impactos para a comunidade preta.
O que seríamos nós senão cúmplices se virarmos as costas para o fato que 55% dos quilombos vivem sem água encanada? Que 15% têm esgoto aberto? Que 33% não tem banheiro? Que 20% não tem nem sequer energia elétrica (8)? Que 25% é analfabeto (9)? É essa a herança da desigualdade produzida pelo racismo brasileiro. Enquanto a própria instituição que nos governa for racista, estaremos condenados a um sistema de injusta. Porém, há esperança. Quem faz o governo somos nós, seja de forma direta como representantes do povo, ou de forma indireta como cidadãos que elegem. Então, quando exercemos os poderes configurados a nós pela vigente democracia, sejam eles quais forem, que não esqueçamos que dos 1,2 milhão de quilombolas que habitam o país, 75% vivem em extrema pobreza (9). Guardiões de cultura, de história, de fortuna que não se paga com dinheiro, são deixados na miséria e resistem lutando pelo dia que serão reconhecidos.
- Por Celi Mitidieri
Fontes:
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