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Humanitismo: a lucidez na insanidade

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 8 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Na célebre obra que inaugura a tríade realista machadiana, Memória Póstumas de Brás Cubas, nos é introduzido uma personagem de pouca relevância aparente, o louco Quincas Borba. Este, com muito que de mendigo, herdeiro inopinado, é inventor de uma filosofia que permeia o segundo livro da tríade, uma obra de mesmo nome apelidado: Quincas Borba. O Humanitismo, filosofia idealizada pela personagem, é uma das bases para o processo de reificação, transformação do homem em objeto, do homem machadiano, é a crítica do autor aoexcesso de cientificismo de seu tempo, ao positivismo que, à época, eclodia. A filosofia megalomaníaca, que se propunha a ser a mãe de todas as outras filosofias, explicando-as, foi criada por um louco, um homem em sua sandice, ainda que demonstrasse toda sua lucidez em meio a insanidade. O Humanitas é o princípio, para ele não há morte, há expansão e supressão de existências, já que o apagamento de uma vida sustenta outras, não atingindo nunca o princípio universal. Quincas Borba basicamente se apropria do princípio da seleção natural de Darwin, aplicando-o a sociedade tal qual o darwinismo social. Os fortes sobrevivem e os fracos perecem, essa é a essência do Humanitismo, justificando toda e qualquer ação humana com o princípio de preservação da vida, obviamente, numa obra realista do século XIX a forçacitada está, e não equivocadamente, atrelada ao poder aquisitivo, que gera status. De acordo com Teresa Pires Vara, “o Humanitas se associa simultaneamente a todas as formas de mutilação e alienação do ser provocadas pelo dinheiro; e por uma lógica metonímica que parte de singular para o plural, do concreto para o abstrato, do referente explicitado (o Rio de Janeiro Imperial) para um referente indeterminado, Humanitas passa a se identificar igualmente com todas as formas de distorção do espírito causadas pelo dinheiro.”. Numa análise aprofundada da afirmação é possívelcaracterizar, de acordo com a lógica weberiana, um distúrbio na ordem das dominações na medida em que a de efetivação racional-legal se torna aparelhada por aqueles que possuem capital. Os perigos de tal aparelhamento do aparato público e estatal é a perda do monopólio do uso da força, gerando um quadro de anomia social no qual as instituições não se manifestam da forma correta, ausentando-se de suas funções. A situação de inconveniência, por sua vez, manifesta-se muito rapidamente, visto que: poder não fica vago! A lacuna de dominação e a perda do monopólio da violência faz com que surjam focos espalhados de dominadores, em maior ou menor grau, todos lançando mão da agressão como forma de manutenção de seu novíssimo status quo. O livro de Machado expressa sua genialidade, servindo como prova cabal, ao menos no universo do livro, do que prega a filosofia do insano. Rubião, homem provinciano, ingênuo e de inteligência mediana e beleza questionável, torna-se de súbito o herdeiro universal da fortuna do louco Quincas Borba, ele possui as batatas. Logo ao início de sua nova vida, como ele mesmo dissera, “deixara de ser professor e era agora um capitalista”, Rubião conta empolgada e ingenuamente a um casal de ilustres desconhecidos acerca da aquisição de sua nova fortuna, estes: Cristiano Palha e Sofia, já o advertem a ser cauteloso com esse tipo de informação, não a contando a qualquer um, porém nesse momento já é tarde. Todo o desenrolar da história se pauta na gestão de Rubião, um fraco, sobre o dinheiro e em como ele é aos poucos sugado dele, sem que nem mesmo seja percebido. O casal Palha sempre explorou o Rubião, contudo é descabida a análise sentimental da obra, coisa muito difícil, de fato, principalmente pelo estilo da narrativa que nos induz a um referencial, nos fazendo tomar partido pelo pobre homem provinciano, tantas vezes destituído: primeiro de seus costumes, é isso que faz o dinheiro, logo após ser destituído desse que o tirou os costumes, sofre mais uma vez, com sua sanidade lhe sendo extirpada. Há, por parte do leitor, uma predisposição a ser favorável ao pobre (agora nos dois sentidos da palavra) Rubião, tal qual o seria a um animalzinho ferido, todavia, além de não haverem heróis íntegros nessa obra, nem mesmo esse provinciano, que agradece tanto a morte da irmã quanto a solidão do louco Quincas no momento em que recebe a notícia de fortuna, a obra se configura tal qual a história das tribos, ou do atropelamento da avó do filósofo. O casal Palha simplesmente luta pelas batatas, ou sacia sua fome, “Humanitas precisa comer”, exercendo sua posição de mais forte, toma tudo de quem não pode ter, provando que simplesmente possuir o capital financeiro não é o suficiente.  Humanitas vivem em estado de guerra, independente de instituições, pois a paz é a destruição e a guerra a salvação. “Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”

Referências Bibliográficas • A mascarada sublime - Teresa Pires Vara • Quincas Borba Recomendação de Leitura: • Quincas Borba • Memórias Póstumas de Brás Cubas • Dom Casmurro Por: Gabriel Tôrres

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