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Lixo Extraordinário: O consumo destrutivo nas mãos de um artista

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 27 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Para onde vai todo lixo produzido na sua casa, que definitivamente não é pouco? No ano de 2018, o Brasil produziu aproximadamente 79 milhões de toneladas de lixo (1). Desse número, apenas 59,5% tiveram como fim aterros sanitários. Os outros 40,5% foram para lixões e aterros controlados, locais que trazem um mal enorme ao meio ambiente e às pessoas que moram em seus arredores (1). Foi justamente um lugar como esse que Vik Muniz escolheu para seu mais novo projeto.

Artista plástico brasileiro bastante renomado mundo a fora, decidiu que queria dar de volta ao país onde cresceu como um menino de classe média baixa antes de se mudar para Nova Iorque e conquistar sucesso. Atingiu a fama com seu trabalho Crianças de Açucar, mas chegou a hora de inovar ainda mais. Escolhe um material que por si só já é um tópico muito polêmico no mundo: lixo. E assim nasce o projeto documentado com maestria em Lixo Extraordinário, filme indicado ao Oscar em sua categoria.

O documentário se passa em um ambiente esquecido pela sociedade, um lugar para aonde a sociedade considera que “tudo que não é bom vai, inclusive as pessoas” (2). Em Jardim Gramacho, as condições de vida são extremas. Com uma renda de 40-50 reais por dia, os catadores de material reciclável trabalham energeticamente tentando fazer seu sustento no maior lixão da América Latina, fechado em 2012. Começa apresentando Vik, mas ao longo do filme evolui da apresentação do artista no programa do Jô, como uma abertura, até a apresentação de Tião no mesmo programa ao final do filme. Isso diz muito sobre o que ele representa: um trabalho que mudou não só a vida de Muniz, mas a vida de todos os envolvidos em sua maneira de criar arte.

Personagens fortes, batalhadores e sofridos são uma característica importante do filme, que é muito mais sobre as pessoas do que sobre o próprio lixão. Na verdade, ouso dizer que é sobre a relação das pessoas com o ambiente. Uns sentem orgulho, outros nojo, muitos uma vontade constante de ir embora e nunca mais voltar. Mas para onde ir¿ Todos sentem mesmo é a necessidade bater em suas frágeis portas e as lembrarem que elas precisam comer. A fome não espera o bolso encher. Isso os fazem chamar Jardim Gramacho de casa quando o que queriam de coração era poder dizer adeus.

Ainda que seja compreensível a vontade de ir embora, reconheçamos agora a importância de uma classe tão menosprezada. Aproximadamente 250 toneladas de recicláveis eram retirados por dia de Jardim Gramacho (3). Tudo isso deixa diariamente de contaminar o ambiente e se torna algo de que se tira benefícios econômicos. É essa a razão pela qual muitos catadores, como o senhor Valter, tanto se orgulham de sua profissão. Cada latinha faz a diferença porque “99 não são 100”, como disse no filme. Esse orgulho gera a Associação de Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, a ACAMJG. Lutando pela coleta seletiva, por melhores condições de trabalho aos catadores e de vida aos que moram no bairro. O presidente, Tião, foi uma das pessoas escolhidas por Vik para serem fotografadas, e teve sua foto vendida por 28 mil libras em um leilão em Londres.

Falando em dinheiro, todo o lucro do projeto foi convertido de volta para a comunidade. Mais de 250 mil dólares investidos na vida dessas pessoas com o dinheiro da venda das fotografias. Irmã abre seu próprio negócio como cozinheira. Zumbi constrói uma biblioteca com 15 computadores. ACAMJG comprou um caminhão e equipamento, além de abrir um centro de ensino. De fato, Vik Muniz faz muito mais do que todos esperávamos e nos mostra que uma ideia pode mudar vidas.

Porém, o benefício para a os catadores vai muito além do dinheiro. O trabalho de Muniz impacta a vida de cada um de forma muito profunda e pessoal, pois são eles mesmos quem pintam fotos enormes em preto e branco com lixo. Eles criam o resultado, e isso os marca com uma nova noção de quem são e de suas capacidades. A uns, traz orgulho para um coração antes cheio de vergonha, a outros faz perceber que nunca mais querem pisar num lixão. O benefício econômico dá uma coisa muito importante e rara: oportunidade.

Enfim, o documentário acaba nos informando como estava a vida dos moradores fotografados e os impactos positivos que o projeto de Vik teve na comunidade. Prevalece o tom esperançoso, mas a atual realidade não é bem assim. Mesmo com o passar do tempo, a região não encontrou nenhum desenvolvimento. Pelo contrário, com o fechamento do lixão e o descaso estatal, a pobreza extrema domina o bairro de Jardim Gramacho, cujos moradores levam a vida com uma média salarial de míseros três reais diários. Invisíveis e esquecidos, sobrevivem em luta constante contra um sistema que os mantém contra as grades limitantes de suas classes sociais (4).

- Por Celi Mitidieri

Foto: Vik Muniz, Pictures of Garbage

Referências

2- Trecho do filme. Frase de Vik Muniz falando sobre como as pessoas são vistas pela sociedade em Jardim Gramacho.

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