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Manuel Bandeira: esmagando sapos

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 9 de out. de 2020
  • 7 min de leitura

Você já deve ter ouvido falar acerca da famosa Semana de Arte Moderna, evento que revolucionou a literatura brasileira ao fazer com que os poetas esquecessem as rimas perfeitas, as estruturas impecáveis e os temas delicados e superficiais a fim de alcançar a verdadeira beleza poética. Grandes nomes da arte modernista, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Anitta Malfatti organizaram e estavam presentes nas exposições, mas é comum esquecer de um poeta pernambucano que, apesar de não estar presente, era igualmente revolucionário e tão ousado a ponto de chamar os parnasianos de sapos. Quer aprender e analisar alguns aspectos da vida e da obra desse grande artista? Vem comigo!

O tema do artigo de hoje, o nosso querido e rebelde Manuel Bandeira, nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886. Sua família era abastada e conhecida na cidade por ter grandes advogados, intelectuais e proprietários rurais. Ele passou a infância na casa dos avós, que hoje é o Espaço Pasárgada, um museu em sua homenagem. No entanto, Manuel passou a maior parte de sua vida fora de Pernambuco. Aos 10 anos, ele e toda a família Bandeira se mudaram para o Rio de Janeiro. Lá, Manuel terminou seu ensino básico no Colégio Pedro II, onde estudou de 1897 a 1902.

Em 1903, com um bacharelado em humanidades enfocado em letras terminado, Manuel teve de se mudar de novo, dessa vez para São Paulo. Devido à pressão da família e a um mercado de trabalho que não valorizava as ideias modernistas e anti classicistas fundamentadas em seus primeiros escritos, Manuel decidiu estudar arquitetura na Escola Politécnica. Entretanto, talvez por obra do destino, com o intuito de aguçar sua sensibilidade artística, todos os seus planos vão por água abaixo quando ele descobre estar tuberculoso. Com isso, Manuel ficou por quase dez anos indo de sanatório a sanatório, sendo que sua maior estadia foi em uma instituição na Suíça.

Depois de passar por essa experiência tão difícil, Manuel viu como sua missão se dedicar ao que realmente amava: a poesia, pois ele, além de não ter esperanças de sobreviver por muito mais tempo, tinha que expressar todas as suas angústias de alguma forma. Ao ver que seus poemas eram muito apreciados quando publicados em periódicos, Manuel publicou "A Cinza das Horas", obra que ele mesmo custeou. Os poemas dessa coletânea mostram claramente a melancolia e o medo da morte sentidos por ele. Com traços simbolistas e românticos, o poeta tenta achar a sua voz ao passo que também tenta deixar clara a sua opinião sobre a vida. Isso é evidente no poema "Desencanto":

"Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre."

Não posso dizer que senti dores tão profundas quanto às do poeta, mas posso afirmar que sei como dói ter a escrita como único refúgio. Manuel sabia que poesia era sinônimo de dor. É tão fácil se desencantar consigo mesmo e com o mundo, que fica difícil esconder a decepção. Muitos poetas, em vez de serem vulneráveis e de escancararem a verdade, preferem falar sobre as formas intrigantes de um vaso chinês, sobre mulheres idealizadas e sexualizadas, sobre uma esperança que eles não sentem. Já Manuel decide ser vulnerável. Ele admite que não tem esperança nenhuma, que não consegue esperar mais nada de ninguém, que só o resta chorar. Desse modo, ele conclui que somente no choro se escapa, somente sentindo toda a dor e a colocando na poesia ele consegue fugir. A partir dos treze anos, eu também tentei usar várias válvulas de escape, mas só a poesia me permitiu ser sincera e vulnerável: todas as vezes em que meu sangue ardia de tristeza, de decepção ou até de ódio, eu tentava expor tudo de desconfortável que eu sentia, mesmo que isso significasse o desconforto e a falta de entendimento dos outros. A poesia de Manuel me mostrou que tudo isso é válido.

Dois anos depois, em 1919, foi publicado "Carnaval", segunda coletânea poética de Manuel, também custeada por ele. Essa obra, ao contrário da primeira, tinha claras tendências modernistas, satirizava o parnasianismo e a busca pela perfeição poética e mostrava um Manuel verdadeiramente rebelde, que ia totalmente de encontro aos preceitos classicistas. O poema mais famoso de tal coleção é "Os Sapos", que fechou o segundo dia de exposições da Semana de Arte Moderna. Porém, Manuel não pode estar presente no evento por causa de uma crise de tuberculose, fazendo com que o poema então fosse declamado por Ronald de Carvalho em meio a vaias dos próprios sapos do texto. Não entendeu a referência? Leia o poema: "Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: — "Meu pai foi à guerra!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!". O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: — "Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos! O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas . . ." Urra o sapo-boi: — "Meu pai foi rei" — "Foi!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!" Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: — "A grande arte é como Lavor de joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo." Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: — "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!". Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa; Lá, fugindo ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio" É tão irônico, agressivo e sincero que chega a ser engraçado involuntariamente. Cada espécie de sapo representa um poeta de um movimento artístico diferente: os tanoeiros, bois e pipas são claramente parnasianos, pois veem a poesia como algo sem sentimento e que obrigatoriamente deve ser refinado gramaticalmente, têm manias arrogantes de grandeza e medo de se aprofundarem em qualquer assunto empático. Isso é evidente quando analisamos os versos: "O meu verso é bom/ Frumento sem joio/ Faço rimas com/ Consoantes de apoio" e "Clame a saparia/ Em críticas céticas:/Não há mais poesia,/Mas há artes poéticas". No entanto, no fim do poema, há a presença do sapo-cururu, sozinho, inspirado e sem-esperanças, assim como os modernistas da época.

Com base no exposto, dá para perceber que não é à toa que esse poema faz sucesso até hoje e que depois da Semana, Mário de Andrade cognominou Manuel de "São João Batista do Modernismo". Ele também escreveu para importantes revistas modernistas após isso, como a Klaxon e a Antropofagia.

Enquanto escrevia para jornais criticando arte e ficava cada vez mais próximo dos outros escritores modernistas, o estilo de Manuel também se aproximava do deles. Mesmo não perdendo a sua essência melancólica, os poemas passaram a ser mais surrealistas e fantasiosos, de forma confessional e vulnerável. Em 1924, foi publicado "O Ritmo Dissoluto", seu terceiro livro de poesia e, seis anos depois, "Libertinagem", que muitos consideram sua obra-prima. Dizem por aí que "Vou-me Embora pra Pasárgada" é o melhor poema dessa coleção, mas hei de discordar. Sim, amo todos os poemas feitos por Manuel, os engraçados e os tristes, os longos e os curtos, porém não consigo ver toda a magia que Manuel via em Pasárgada. Talvez seja porque acho muitos outros de seu poemas melhores e mais sentimentais ou talvez porque as questões de literatura estilo ENEM tem me parecido cada vez mais cansativas e superficiais. Em suma, eu acho que vale mais a pena analisar poemas que não desgastam a mim e, imagino dependendo da sua idade, a você. Na minha opinião, os melhores poemas da coletânea são "Pneumotórax" e "O último poema". Vamos observa-los respectivamente: "Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: — Diga trinta e três. — Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . . — Respire. ...................................................................... — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino." Foi feito com o intuito de nos fazer rir ou chorar? Acho que os dois. Talvez esse seja o pensamento de alguém que já chorou ou de mais ou de menos, entretanto tenho certeza de que Bandeira tinha essa mesma reflexão: que às vezes a tristeza dura tanto que é melhor sufocá-la, mesmo que isso não seja o mais saudável no final, é o melhor a se fazer na hora.

O próximo poema finalizará esse artigo. Ele é o meu favorito de Manuel, o que mais expressa meus desejos quanto à poesia. Eu queria que meus poemas fossem lindos e apreciados, mas esse não é o real objetivo, que é ser sincera e expressar o que sinto. Eu queria ser uma combinação de Olavo Bilac e Álvares de Azevedo, porém sou Manuel Bandeira e Augusto dos Anjos. No entanto, quando leio esse poema, me identifico e tenho vontade de continuar a escrever. Vontade de ser sincera e intensa. "Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação." -Por Ana Ferreira da Motta Costa

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