O homem saiu de sua menoridade?
- Pugna!
- 22 de out. de 2020
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Há diversas formas de definir menoridade: a legal, que basicamente é a responsabilidade de assumir consequências pelas próprias ações e é definida por um critério fixo, a idade, e a que mais será trabalhada nesse texto, a menoridade na perspectiva kantiana. De acordo com esse filósofo prussiano do século XVIII, a menoridade é a incapacidade de servir-se de seu próprio entendimento sem direção alheia, logo, para que haja o escape dessa condição é necessário que exista a reflexão e o pensamento crítico, que por fim irão gerar o esclarecimento.
No que tange a concretização do fato, a saída da menoridade, encontra grandes obstáculos, tais quais: a preguiça, gerada pelo comodismo de se manter em uma zona de conforto e a covardia, pois exige-se coragem para que atitudes sejam tomadas.
O homem, num contexto de humanidade, não saiu de sua menoridade, pois não deixamos de entregar para outros a tutela de nosso pensamento. A despeito do grande volume de informações de que temos acesso, na grande maioria dos casos, uma quantidade muito maior do que era possível se obter no século XVIII, em que Immanuel Kant viveu, e ainda que a sociedade contemporânea permita e incentive o exercício da liberdade de escolha, grande parte dos indivíduos simplesmente segue conceitos padronizados de pensamento e comportamento, apenas reproduzindo o que impõe o mercado e a cultura de massa. Essa massificação compromete a construção da subjetividade e da individualidade dos sujeitos, que agem mais como papagaios reproduzindo cegamente um discurso que lhes foi introduzido e/ou lhes convém. (ver artigo: “Autoverdade e enganação: até onde vamos para estarmos certos”)

Apesar da humanidade se perpetuar em inércia, num eterno cativeiro que a ela foi imposto, seja por outrem, em ímpeto irascível de dominador ou por si próprios, em desejo de comodismo e grilhão de covardia. Há homens e mulheres que se libertaram, esses, se deparam com dois caminhos distintos — eis o fardo da liberdade: podem usar a sua visão esclarecida para dominar e reproduzir seu próprio discurso, seja achando que assim farão o bem ou simplesmente na busca pelo poder; ou podem trilhar o caminho de mestres, provendo a liberdade para outros, sem lhes impor um caminho. A indiferença, contudo, não é opção para o esclarecido, pois ao retirar o anteparo do impedimento, os grilhões da covardia que não permitem a saída do homem da menoridade e iluminar as trevas da ignorância com a luz da razão, o que em nós era sombrio e turvo, torna-se claro e nítido e o que era escuridão ao nosso redor torna-se penumbra, inquietando as almas próximas.
Muitos acham que o pensamento científico e racional goza, no mundo contemporâneo, de grande prestígio e tem influência na vida cotidiana e na política. Ledo engano. No mundo em que, em plena pandemia se discute a importância de vacinação, o porquê não se deve furar uma quarentena e que a terra não é plana (esse último nada tem a ver com a pandemia, mas é um absurdo mesmo assim), não há a devida importância da ciência. É indiscutível que, com a internet, há maior diversidade e intercâmbio de ideias, favorecendo o pluralismo e o multiculturalismo e que em tese, isso torna possível, o acesso a discursos divergentes em relação aos hegemônicos veiculados nos meios de comunicação de massa. Contudo, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e científico, o preconceito, a manipulação e a intolerância política, comportamental e religiosa constrangem, ainda, as liberdades individuais, restringindo a autonomia pessoal. Além disso, o avanço de uma concepção utilitarista de razão e de conhecimento científico voltado para o desenvolvimento de tecnologias redundou em um sistema de poder tecnocrático que serviu de sustentação para atitudes contrárias aos valores humanistas. Desde o holocausto nazista, ficou patente que a racionalidade científica poderia ser usada como recurso supremo para a repressão e a destruição da autonomia e da diversidade.
“A imensa maioria da humanidade considera a passagem para a maioridade, além de difícil, perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram-na sob sua supervisão. Depois de terem, primeiramente, emburrecidoseus animais domésticos e impedido cuidadosamente essas dóceis criaturas de darem um passo sequer fora do andador de crianças em que os colocaram, seus tutores mostram-lhes, em seguida, o perigo que é tentarem andar sozinhos. Ora, esse perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar, finalmente, depois de algumas quedas. Basta uma lição desse tipo para intimidar o indivíduo e deixá-lo temeroso de fazer novas tentativas.”
-Immanuel Kant
Por: Gabriel Tôrres
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