O imposto dos livros: quando a educação não é prioridade
- Pugna!
- 15 de ago. de 2020
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Atualizado: 16 de ago. de 2020

( Gulfiya Mukhamatdinova/Getty Images)
Dias atrás, o ministro da economia Paulo Guedes surpreendeu a todos com uma proposta esdrúxula de mudança tributária. A ideia de reforma tributária do ministro pode aumentar o valor pago em livros, impactando toda a cadeia editorial brasileira. O que causa profunda estranheza é que um país ainda longe de atingir um patamar satisfatório, em termos educacionais, possa cogitar a adoção de um imposto que vai encarecer o valor dos livros e, consequentemente, dificultar ainda mais o acesso ao conhecimento para as camadas sociais mais baixas.
O Brasil ocupa o preocupante 7º lugar no ranking dos países mais desiguais do mundo, segundo o coeficiente de Gini, destinado a medir as desigualdades sociais e a distribuição de renda. Nós temos 41,9% da renda total do país concentrada nas mãos de 10% dentre os mais ricos. Mais surpreendente ainda é saber que 1% dos mais ricos concentram 28,3% da renda total do país. Não precisa ser um grande gênio para perceber que a desigualdade social é o principal obstáculo para o nosso desenvolvimento. Ignorar tal fato é condenar o país à estagnação e penalizar milhões de inocentes. Nas últimas décadas tínhamos dado passos significativos no sentido de amenizar essa diferença, mas, infelizmente, no momento em que deveríamos continuar com os esforços e buscar cada vez mais eficiência no trato com as nossas mazelas sociais, temos um governo incapaz de ver realisticamente nossos problemas. A sanha neoliberal está tão encantada com o sonho americano, deseja tanto sentar na janela do mundo e curtir os benefícios de ser um país economicamente estável a ponto de esquecer que não existem atalhos para o desenvolvimento e fechar os olhos para os próprios problemas não faz com que eles desapareçam.
Nossos 10% mais ricos, por mais abastados que sejam, são certamente os ricos politicamente mais burros do mundo. (Calma, classe média, não tô falando contigo, o papo aqui é sobre o teu patrão. O rico é ele.) Trancafiados em suas mansões, alimentando o delírio colonial de quem ainda vive respirando ares do século XIX, nossos pobres endinheirados também são vítimas da nossa educação precária. Coitados! Vivem ainda no conto de fadas de pensar a realidade como se fosse uma novela de Manoel Carlos, onde tudo tem aquele tom pastel enfadonho e repetitivo, oscilando entre as únicas duas músicas que são capazes de lembrar da obra de Tom Jobim. Nossos ricos acham que desenvolvimento econômico é algo que se possa alcançar sem abandonar os arcaísmos conservadores de quem parece ainda estar curtindo a vida tacanha dos tempos de D. Pedro II. Querem o sucesso dos burgueses, sem abrir mão da visão estreita da nobreza caduca que nem existe mais. Nossos barões fajutos não querem abrir mão da casa grande e dos escravos, mas sonham com o glamour da sociedade industrial. O tempo passou e os ricos do Brasil ainda não aprenderam que, até mesmo dentro de uma perspectiva capitalista, não existe espaço para uma economia de sucesso onde a concentração de renda é a regra. É preciso fazer fluir o capital. Nos tempos do Império, o mundo nos pressionou, aderimos no papel ao modelo econômico que vinha no embalo dos ingleses, enquanto mentalmente permanecíamos na colônia. É assim até hoje.
Quando o ministro Paulo Guedes estala o seu chicote e tenta justificar a sua escolha por criar impostos para livros, o seu remendo de argumento é o seguinte: “Então, uma coisa é você focalizar a ajuda. Outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar”. Fonte: Agência Senado. Vamos aos fatos, a imunidade tributária dos livros é histórica, estabelecida desde a Constituição de 1946, defendida pelo escritor e então deputado constituinte Jorge Amado. A imunidade permaneceu em pauta na Constituição de 1988 e depois foi garantida em 2004, em vigor até hoje. Os impactos da proposta do ministro afetam toda a cadeia produtiva dos livros, com impactos nas editoras, autores e consumidores. Para se ter uma ideia, a alíquota do novo tributo proposto seria de 12%, fazendo com que o estado abocanhe mais do que muitos autores por aí, sob o nome pomposo de “Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS)”.
Por trás de toda desculpa esfarrapada de Guedes, a verdade é que, se houvesse mesmo o desejo de arrancar tributos de quem pode pagar, ele deveria estar nesse momento discutindo impostos maiores para as grandes fortunas e não chutando um mercado morto, já abalado pelas agruras da pandemia, como o editorial. Ele não engana ninguém. O seu objetivo é outro. Em vez de buscar meios de fortalecer o acesso à educação, incentivar a leitura e popularizar o livro, nosso feitor da economia deseja dificultar ainda mais o acesso ao conhecimento. E quando propõe que o governo poderia compensar esse abalo na acessibilidade das classes mais pobres, nosso descarado ministro propõe que o governo doe livros e aumente o Bolsa Família. Quem diria que veríamos de repente o Bolsa Família virar coisa boa na boca dessa turma! O ardil por trás dessa proposta caridosa do governo em oferecer livros grátis é ainda mais sombrio: a possibilidade de controlar e direcionar as mentes da grande massa para ler apenas aquilo que o governo deseja no seu conta-gotas literário. Controle da informação, doutrinação e um obscurantismo mais denso do que aquele presente na Idade Média, quando os livros indesejados eram queimados em praça pública.
Queimar saiu de moda, a moda agora é restringir, tornar caro e inviável para quem vai contar fichas para comprar alimento e sobreviver. Não é irônico ver aqueles que enchem a boca para falar nas liberdades sociais planejando agora diminuir a sua liberdade de escolher o que vai ler? A Casa Grande sempre temeu o poder do livro e pelo jeito a cabeça dessa corja estúpida ainda está preocupada com a classe social de quem vai ou deixa de ir à Disney. Guedes parece incomodado com o poder aquisitivo das empregadas domésticas, porém, paradoxalmente, quer defender os grandes empresários. Talvez, no mundo de fantasia dele, o consumo dos 10% abastados seja suficiente para sustentar o país. Será que o guru neoliberal do presidente entendeu mesmo o capitalismo?
Bom, longe de mim duvidar do gabarito dos ministros desse governo. Não há mais espaço para dúvidas, a realidade é cruel nos mostrando a mediocridade generalizada que ocupa o alto escalão do Planalto. Todos eles parecem ótimos na hora de preencher o currículo Lattes com dados grandiosos (não necessariamente verdadeiros), entretanto, na prática estamos remando contra a maré do desenvolvimento, atolados no lamaçal de baboseira conservadora de quinta categoria, envergonhando até mesmo os verdadeiros conservadores do mundo. Existe uma grande diferença entre conservador e idiota, o Brasil não vai demorar a descobrir. Enquanto o ministério da economia parece sentir o golpe das novas ideias mirabolantes do presidente, entre debandadas e entrevistas cheias de ameaças veladas, vemos uma preocupação enorme com relação ao teto de gastos desse ano. Para Guedes a solução para o ano que vem é simples, cortar 4 bilhões da educação em 2021.
Bolsonaro, por outro lado, parece considerar outros caminhos enquanto namora a possibilidade de furar o teto de gastos desse ano, arriscando um impeachment por irresponsabilidade fiscal e fazendo um carinho na massa pós-pandemia com um Bolsa Família 2.0. O Brasil não é para amadores... A única coisa clara em nosso destino é que a educação não é uma prioridade e o resultado final de tudo isso está longe de ser o paraíso de prosperidade colonial que os nossos capatazes neoliberais fizeram você acreditar que estava próximo. Aperte os cintos, amigo. Como diria a minha avó, “você pensa que o céu é perto?”
- Por Ivan de Aragão
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