Sylvia Plath e a Redoma de Vidro: uma análise sobre o poder da poesia e a saúde mental
- Pugna!
- 3 de jul. de 2020
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"Respirei fundo e ouvi o velho sussurro do meu coração. Eu sou. Eu sou. Eu sou." No livro semi-autobiográfico "A Redoma de Vidro", a poeta Sylvia Plath retrata o verão de 1953, no qual ela trabalha como estagiária na revista Ladies' Day Magazine e sofre constantes recaídas mentais. Nesse artigo e relato pessoal, serão analisadas a mensagem que ela tenta transmitir em sua obra e, já que se trata de uma semi-autobiografia, até que ponto na história Plath fala de saúde mental com real experiência e propriedade.
Li Sylvia Plath pela primeira vez quando tinha 15 anos, e lembro de ficar especialmente impressionada com duas coisas: o jeito em que ela dissertava sobre coisas simples, como uma janela numa sala de espera, e o fato de que, para minha surpresa, muito do que ela sentia e descrevia era, de certa forma, tão compreensível e familiar. Lembro do meu entusiasmo lendo, dos vários post-its que colei nas minhas passagens favoritas, que logo passaram a ser um conjunto do livro por completo. Mas ao mesmo tempo em que eu estava entusiasmada, eu tinha medo. Afinal, saber que uma poeta talentosa como Sylvia passou por tantas incertezas me deixava nervosa não só pelo meu bem-estar, mas pelo dela, da personagem de quem estava lendo, a própria Sylvia, que morreu décadas antes de eu nascer. É necessário falar dela fora de suas obras antes de discutí-las.

Sylvia Plath nasceu no dia 27 de outubro de 1932, em Boston. O pai dela, Otto, era professor de alemão e biologia, com foco no estudo de abelhas, e sua mãe, Aurelia Schober, era uma de suas alunas. Em 1940, Otto morreu por complicações em seu quadro diabético. Sylvia provavelmente não teve uma relação boa com o pai, visto que em "Daddy", um de seus último poemas, ela relata, de forma alegórica e confessional, o quanto ele era autoritário. Com a morte de Otto, Sylvia, sua mãe, seu irmão mais novo e seus avós se mudaram para a cidade de Wellesley, um subúrbio em Massachusetts.

Foi nesse período que Sylvia começou a desenhar e a escrever seus primeiros poemas e contos, que ganhavam prêmios, mas não eram facilmente publicados. Só em 1950, seu último ano de ensino médio, a revista Seventeen aceitou publicar um de seus contos. Logo após isso, ela começou sua graduação na Smith College com bolsa integral. Foi durante seu tempo na faculdade que Sylvia participou de um estágio de verão na revista Mademoiselle (em "A Redoma de Vidro", Ladies' Day Magazine) em 1953.

É exatamente no começo desse estágio que a semi-autobiografia começa, "It was a queer, sultry summer, the summer they electrocuted the Rosenbergs, and I didn’t know what I was doing in New York." ("Era um verão estranho, sufocante, o verão em que eletrocutaram os Rosenberg, e eu não sabia o que estava fazendo em Nova York"). Sylvia, ou melhor, Esther Greenwood, a personagem principal, se apresenta de uma forma irônica, confessando suas obsessões e persistentes desconfortos num período cheio de oportunidades e que, na visão dela, deveria ser o melhor de sua vida.

Infelizmente, o exato contrário acontece. Enquanto está no estágio, Esther percebe que não consegue se encaixar em nenhum dos moldes para jovens mulheres em sua época; ela não é promíscua ou virgem, não é rebelde ou completamente educada, o que a incomoda intensamente. Ela também reflete bastante sobre seu namorado, Buddy, um estudante de medicina que não a traz nenhum tipo de felicidade e que acha o sonho de Esther de ser poeta ilusório. Ao refletir sobre a afirmação feita por ele de que um poema seria "a piece of dust" ("um grão de poeira"), ela prova a importância da poesia para a humanidade no seguinte trecho: "So are the cadavers you cut up. So are the people you think you're curing. They're dust as dust as dust. I reckon a good poem lasts a whole lot longer than a hundred of those people put together." ("Assim como os cadáveres que você corta. Assim como as pessoas que você pensa estar curando. Elas são poeira, poeira, poeira. Eu acho que um bom poema dura muito mais do que cem daquelas pessoas juntas").
Esther, com toda sua indignação pela falta de consideração de Buddy, traz aos leitores um conforto, a certeza da imortalidade das palavras, da importância, maior que tudo, dos sentimentos expressados através da poesia. Saber que pessoas como Buddy existem e que eu, como escritora e poeta, terei que lidar com elas é desmotivador, mas Sylvia demonstra a falta de relevância desse tipo de opinião, demonstra que poetas devem lutar pelo que amam.
Depois do estágio, Esther se inscreve para um curso de escrita de um escritor renomado e é rejeitada. Com isso, Esther fica obcecada por escrever cada vez mais contos e poemas e se frustra, ficando dias sem tomar banho ou dormir. Ela entra em um estado de depressão profunda e tenta se suicidar várias vezes, quando acaba sofrendo uma overdose com remédios para dormir e sobrevive. Após o incidente, a mãe de Esther a põe em um manicômio, onde ela reflete bastante sobre a redoma de vidro que a prende. Para quem está na redoma de vidro, o mundo é um pesadelo, um filme que você assiste, mas não pode mudar, pois a redoma prende todas as suas emoções dentro de si, e você não pode fugir delas. No manicômio, Esther passa por tratamentos de choque, que fazem ela se sentir não só fora da redoma, mas também fora de si.

Após o suicídio de uma conhecida, os pensamentos suicidas de Esther são suprimidos, e ela melhora e sai do manicômio. Porém, ao passo que Esther melhora e volta à sua vida normal, a própria Sylvia nunca melhorou de verdade.

Depois do verão de 1953, Plath voltou para a faculdade, se formando em 1955. Logo após, ela foi estudar em Cambridge e lá, conheceu o poeta Ted Hughes, com quem se casou em 1956. Durante um tempo, Sylvia lecionou literatura inglesa na Smith College e depois voltou à Inglaterra em 1959. Nessa época, ela lançou sua primeira coleção de poesia, The Colossus, e obteve sucesso com a obra. Além disso, ela deu luz à sua primeira filha, Freida nesse mesmo período de tempo. Porém, esse foi o único livro lançado antes de sua morte.

Em 1962, nasceu Nicholas, o segundo filho de Sylvia, o que provavelmente agravou a relação dela com Ted, que nunca foi tranquila. Nesse mesmo ano, Ted largou Sylvia e as crianças para morar com uma amante. Isso deixou Sylvia em uma depressão severa e, nesse ínterim, ela escreveu "Redoma de Vidro", que foi originalmente lançado sob o pseudônimo Victoria Lucas, e "Ariel", uma coleção de poemas que foi lançada apenas dois anos após sua morte. No dia 11 de fevereiro de 1963, Sylvia cometeu suicídio. Dezenove anos após sua morte, sua coletânea de poemas ganhou um Pulitzer.

Sylvia, em seus poemas, comentários sarcásticos e contos, demonstrava ser uma pessoa extremamente talentosa, mas cercada pela redoma de vidro, por algo que nunca conseguiu controlar, pois esse algo a controlava. Mesmo assim, ela expôs seus sentimentos, antes julgados estranhos, para o mundo. Entretanto, sua poesia, desde aquele tempo, é verdadeiramente apreciada, sua aflição finalmente entendida, pois a redoma de vidro não conseguiu esconder por completo seu brilho. A redoma nunca conseguirá tirar o brilho de nós, e Sylvia é a prova disso.
Por Ana Ferreira da Motta Costa
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