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Vidas negras importam e você não entendeu

  • Foto do escritor: Pugna!
    Pugna!
  • 10 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

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Diante dos acontecimentos recentes, todos nós já conhecemos a #vidasnegrasimportam. Uma nova onda de protestos contra o racismo ganhou força em diversas partes do mundo e, por conta da enorme repercussão que a causa teve nas redes sociais, ficou claro que algumas pessoas não entenderam o sentido da frase que estampa a hashtag. A dúvida que paira no ar é apenas se o desentendimento é fruto de uma precária capacidade de interpretação de texto ou é fruto de um processo ainda mais grave de reacionarismo dos mais estúpidos. Para sanar as possíveis dúvidas eu dedico este texto.


O primeiro possível erro que pode acometer alguém que lê a frase “vidas negras importam” é achar que pelo fato de ressaltar a importância da vida de um grupo de pessoas estamos diminuindo a importância do resto do mundo. Quando nós dizemos para uma pessoa querida “eu me importo com você” não significa que nos importamos apenas com ela e os outros que se danem. Você pode dizer “eu te amo” para sua mãe e isso não significa que somente ela seja alvo do seu amor no mundo (nossos pais podem respirar aliviados). Muito bem, passando por essa primeira e básica constatação lógica de que uma afirmação simples não tem o poder de se converter numa negação absoluta e excludente daquilo que afirma, vamos adiante.


O contexto histórico envolvido na causa por trás da afirmação “vidas negras importam” é marcado por séculos de discriminação, escravidão e genocídio do povo negro. Você deve ter sido exposto a algumas informações durante as aulas básicas de história desde o primário, mas mesmo assim vou refrescar a sua memória chamando a atenção para o fato de que milhões de pessoas foram retiradas dos seus lares na África e levadas como escravas para servir aos interesses de seus autoproclamados senhores do outro lado do mar. Como se não bastasse a escravidão, de maneira surpreendente, essas pessoas não eram consideradas como humanos e até mesmo a igreja relutava em lhes atribuir a posse de uma alma. Os negros eram tratados como animais, com o aval das autoridades políticas, religiosas, sem contar a consequente e plena aceitação social de tal ato discriminatório perante o povo. Com a mesma naturalidade que um camarada hoje se acha no direito de tirar a vida de qualquer animal do seu rebanho pessoal para promover um churrasco ou para vender a carne e nenhum de nós se atreve a estranhar tal atitude, pessoas eram subjugadas. Sim, essa mesma naturalidade, consequência de uma generalizada aceitação social acerca de determinada conduta, era dirigida para atos de crueldade e exploração de pessoas negras.


Com o avançar da história, os interesses capitalistas nos fizeram reconsiderar a escravidão a fim de aumentarmos a massa de consumidores a alimentar a engrenagem do sistema de produção. Pelo simples interesse econômico, a escravidão foi trocada pelo trabalho assalariado e justamente por essa razão é que, legalmente, os negros se tornaram livres, mas dentro da consciência moral das sociedades escravocratas a mudança de status não foi acompanhada de uma revisão de consciência a respeito do modo como os negros eram tratados. Essa é a raiz do racismo estrutural, o vestígio de uma falha moral tão grotesca como essa fez com que se perpetuassem comportamentos discriminatórios e preconceituosos para com toda a população negra, agora liberta da escravidão pela via política, ao mesmo tempo em que permaneceu refém de uma vida de notável desigualdade perante os seus senhores brancos.


A luta do movimento negro e de todas as camadas sociais que tenham o mínimo de consciência histórica é voltada para destacar e fixar dentro de nossas estruturas morais e culturais o repúdio por qualquer tipo de discriminação para com pessoas negras. O branco não precisa cobrar igualdade, pois, meu querido colega branco, não se pode cobrar pelo que já se tem. É mais uma vez uma questão de lógica implicada. É o negro que precisa ser elevado à mesma condição de respeito que o seu explorador branco sempre gozou dentro de uma sociedade concebida, governada e perpetuada pelos brancos. A única desigualdade que nos acomete a todos é a econômica e, ainda assim, existem enormes diferenças entre o tratamento que se dá socialmente a um branco pobre e a um negro pobre.


Portanto, antes de sair por aí alardeando em tom de afronta e oposição a óbvia sentença “todas as vidas importam”, lembre-se que é justamente para que todas as vidas sejam tratadas com a mesma importância que nós hoje repetimos: vidas negras importam. Existe uma busca por igualdade aí implicada e se você não viu é por mero déficit nos níveis de interpretação tanto gramatical quanto histórica. Eu recomendo a todos mais leitura, mais reflexão, além de uma boa dose de calma antes de sair por aí tecendo discursos inflamados apoiados em ideias vazias e superficiais. Que possamos cultivar mais empatia uns com os outros e buscar compreender as tramas filosóficas, políticas, religiosas e culturais por trás daquilo que hoje somos coletivamente. Paz!



- Por Ivan de Aragão

 
 
 

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