Zé de Julião: muito mais que um cangaceiro
- Pugna!
- 10 de jul. de 2020
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Injustiçado, o povo de Poço Redondo sempre foi desprezado pela sociedade. As pessoas que lá nasciam e moravam viviam unicamente para sustentar suas famílias e, usualmente, cuidarem de cabeças de gado quando as tinham. Tudo mudou com a chegada de Virgulino Ferreira da Silva. Os jovens, antes inocentes, passaram a perceber o desprezo e os maus tratos dos homens do governo com a população e foram influenciados pelos cangaceiros liderados por Lampião a se rebelarem contra isso, não fazendo ideia de que estavam se direcionando ao caminho da miséria e da desgraça. Um desses jovens era Zé de Julião, conhecido como Cajazeira, filho de Julião do Nascimento e Constância do Nascimento.
A família de Zé de Julião, ao contrário da maior parte de Poço Redondo, tinha muitas posses e ele, apesar disso, era uma figura querida, amada e humilde. Ele se casou com a jovem Enedina, e juntos tinham uma perspectiva otimista e radiante quanto ao futuro. Isto é, até a chegada de Lampião em 1929. Os coronéis e cangaceiros, sabendo da riqueza do pai de Zé, o exploravam e chantageavam constantemente, fazendo com que ele, Zé e Enedina fugissem para Amparo do São Francisco. Eles ficaram lá por um tempo, até que um soldado reconheceu Zé e tentou o chantagear. Zé estava cansado daquilo; ele já tinha se separado da terra que amava e isso, pelo visto, não era o bastante. Nesse momento ele decidiu que ele e Enedina se juntariam ao bando de Lampião.
Zé e Enedina foram aceitos ao bando, e logo ele ganhou prestígio por ser um dos mais corajosos do grupo. Com isso, Lampião resolveu apelidá-lo de Cajazeira. Apesar do cenário de miséria que os rodeava, ele e Enedina continuavam esperançosos e otimistas para o futuro. Porém, no dia 28 de julho de 1918, ocorreu uma tragédia: na Gruta do Angico, perto das margens do Rio São Francisco e de Poço Redondo, as lideranças do bando, como Lampião e Maria Bonita, foram massacradas pela voltante comandada pelo Cabo João Bezerra. Infelizmente, Enedina também foi uma das vítimas do massacre. Com isso, Zé, desesperado, conseguiu fugir e foi protegido por alguns conhecidos da região.
De volta a Poço Redondo, Zé de Julião se casa com uma das irmãs de Enedina, esperando finalmente sentir a paz que sentia quando era jovem. Entretanto, isso não acontece; as perseguições policiais por Zé começam, e ele, já com espírito andante, decide se mudar. Vai para Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, mas sua estada lá é curta. Após descobrir que seu pai faleceu, Zé, também com saudade de sua terra, decide voltar para Poço Redondo o mais rápido possível.
Dessa vez, Zé realmente encontra a tão procurada tranquilidade. Ele passa a morar numa das fazendas que herdou do pai, reata amizades antigas e, mais importante, vive com felicidade. Consequentemente, a influência política dele cresce na região e ele resolve se candidatar a prefeito pelo PSD, já que a maior parte das forças políticas do município o apoiavam. No entanto, Artur Moreira de Sá, político de Porto da Folha, se candidata pelo PR e obtém o apoio dos militares da região. O resultado da eleição foi inusitado: um empate de 134 a 134. Já que Moreira era mais velho, ele ganha a eleição e assume o cargo de prefeito de Poço Redondo.
Indignado com o resultado e com maior experiência, Zé de Julião já começa a se lançar como candidato a prefeito para a próxima eleição. Julião temia que a eleição fosse fraudada e que o candidato da UDN, Eliezer Santana, ganhasse, mas não desistiu. Mesmo com a determinação de Julião, a eleição foi, de certa forma, fraudada. Seus eleitores não puderam votar, pois seus títulos não foram entregues, e o judiciário criou estratégias para que o opositor do ex-cangaceiro vencesse. Para o povo, essas ações eram claras e escancaradas, mas nenhuma atitude contra elas foi tomada. Com isso, Julião e seus parceiros tomaram uma decisão compreensível, mas de caráter duvidoso: no dia da eleição, roubaram as urnas com a finalidade de evitar a vitória da UDN. Julião deixou de agir como si mesmo e voltou a agir como Cajazeira, um cangaceiro que, por ser injustiçado, sentia que devia ser injusto com os outros também.
Mesmo com o roubo, Eliezer Santana foi declarado vitorioso. Depois disso, as forças policiais perseguiam Julião cada vez mais e ele foi preso e liberto diversas vezes, até que decidiu abandonar sua terra para sempre e partir para Nova Iguaçu, mas não conseguiu. Na madrugada do dia 19 de fevereiro de 1961, Zé de Julião é assassinado.
A história dessa figura traz muitos questionamentos à minha mente. Quando não temos nenhuma opção além da miséria e do crime, precisamos mesmo ser julgados tão duramente por nossos atos? Aqueles que um dia foram feridos pelos coronéis da época e se voltaram contra eles tão violentamente estavam certos? Quando estudamos sobre o Cangaço, somos incapazes de nos colocarmos no lugar de quem julgamos como errados (claro, estupros e recolhimentos de posses jamais poderão ser considerados corretos, mas isso não era o mesmo que os coronéis faziam?). O Cangaço foi um movimento que permitia àqueles que tinham sofrido nas mãos dos homens do governos a lutar, a tentar encontrar a paz num ciclo ainda mais violento. Não foi certo, mas também não foi completamente incorreto, e a vida de Zé de Julião é prova disso.
Por Ana Ferreira da Motta Costa
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